As razões do crime de Beja perderam-se na cela do Estabelecimento Prisional de Lisboa. São muitas e não é nenhuma: álcool, dinheiro, vergonha, saúde, problemas familiares, desvios de personalidade ou outras. A família não as conhece, os amigos tão-pouco.
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As reacções à morte de Francisco José Camacho Esperança, agora o "monstro de Beja", têm quase todas um denominador comum: "Antes assim". O corpo ainda não foi a enterrar e já os alentejanos preferem deixar para trás a imagem do horror da chacina que contrariou a calma e paz da planície.
De sorriso aberto, habituado à labuta do campo, cercado por cães, gatos, cabras e outros animais, o lavrador António Manuel Cascalheiro, com 69 anos, ainda não está em si: "Se não fosse ter tomado alguma coisa não fazia esse serviço". Morava lado a lado com Francisco Esperança, desde que o ex-bancário se mudou com a família para uma propriedade do Estado às portas de Beja. Em frente, do outro lado da estrada que liga a capital do distrito a Évora, brincou com as suas sete irmãs, aquela com quem veio a casar. Consta que se conheceram num bailarico já na cidade de Beja.
Os primeiros anos de Francisco Esperança contam as histórias de um menino alentejano nascido em casa dos pais feitores num típico latifúndio pré-revolução de Abril. Cresceu em casa, no Monte do Lapa, uma propriedade que ia dali - Carregueiro - "quase até Beja e são 50 quilómetros!", recorda a tia de Francisco, Isabel Camacho Raposo. Estudou e era bom aluno, "mas o pai descobriu que faltou às aulas e trouxe-o para guardar cabras". Depois encarreirou. Sempre com os pais, Francisco mudou-se para o Monte do Tacão e para a casa estatal onde esteve até casar. A primeira habitação que partilhou com Benvinda foi em Penedo Gordo, nos anos 70, a meia dúzia de quilómetros de Beja, numa altura em que era chefe de secretaria da maior fábrica de tomate da zona, em Canhestros. Manuel Gatinho, dono do restaurante onde tantas vezes Francisco foi, recorda que o ex-bancário jogava futebol, era brincalhão e educado, mas "quando estava com os copos desviavam-se dele". "Bêbado, era um terror!", afirma.
O colega da fábrica, António Quarenta, assina por baixo. Outro trabalhador da fábrica que morava a metros de Francisco, em Penedo Gordo, Luís Barroca, confirma que "os copos o alteravam muito". Mas o reformado garante que era brincalhão. "Parámos num acampamento cigano e saímos de lá cheios de sopa de tomate." Uma vez, recorda, "trazia uma senhora da fábrica que falava muito. Era de noite e desligou as luzes do carro só para a calar". Luís Barroca não entendeu o crime. Só a alentejana Florbela Espanca teria uma explicação: "A vida é sempre a mesma para todos: rede de ilusões e desenganos. O quadro é único, a moldura é que é diferente".