O Supremo Tribunal de Justiça condenou o Estado a indemnizar em 10 mil euros um homem que tinha sido condenado a uma multa de 192 mil euros, num processo-crime em que foi testemunha.
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"Condenar alguém que não é parte num processo, contra quem não foi deduzida qualquer acusação, sem processo contra si, que não tem a qualidade de sujeito processual mas intervém apenas como testemunha, e ainda sem lhe propiciar a possibilidade de se defender, é contrário a tudo o que o nosso ordenamento jurídico exige e representa e configura grave violação da lei e a prática de ato antijurídico", refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
No documento a que a Lusa teve acesso, esta quarta-feira, o STJ acrescenta que houve "culpa" do tribunal que condenou a testemunha, sublinhando que um juiz "exigivelmente preparado e cuidadoso" teria decidido de forma diferente.
Em causa está um processo julgado em 2004, na 8.ª Vara Criminal de Lisboa, relacionado com o negócio de um prédio.
O arguido no processo, que acabou por ser absolvido, era o vendedor do edifício, acusado da prática de um crime de frustração de créditos da Segurança Social, já que, ao desfazer-se do imóvel, ficava sem possibilidades de pagar as dívidas àquele organismo.
O comprador foi indicado como testemunha pela acusação e acabou por ser condenado, sendo considerado "terceiro de má-fé", pois conheceria o valor da dívida fiscal do vendedor mas não se coibiu de o adquirir, obtendo assim "vantagem patrimonial ilícita".
No dia 13 de abril de 2004, mediante convocatória nesse sentido, a testemunha compareceu na Esquadra da PSP onde foi notificado da sentença que o condenava a pagar ao Estado 192 mil euros.
Ao tomar conhecimento da decisão, "ficou desvairado, deixou de comer e de dormir, esteve oito dias sem sair de casa, ficou ensimesmado e chorava, tomava sedativos para descansar, receou ficar na miséria, os seus cabelos ficaram brancos e emagreceu", lê-se no acórdão.
Recorreu para tribunal, tendo agora o Supremo condenado o Estado português a pagar-lhe uma indemnização de dez mil euros, pelos danos morais causados pelo "erro grosseiro" de quem o condenou.
Para o STJ, naquele processo "foram postergadas as mais elementares garantias de defesa, exigência de processo justo e equitativo".
"O autor não foi acusado, não foi considerado agente do crime por quem é detentor da ação penal. O Ministério Público não deduziu acusação contra o autor, pelo que naquele processo nunca o mesmo poderia ser considerado como agente do crime", sublinha o acórdão do STJ.