Aquilo que poderá parecer, à primeira vista, um artigo igual a qualquer outro, de repente transforma-se em algo que poderá mudar para sempre a forma como lê notícias online. Leia e descubra porquê.
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O título e o lead parecem-lhe estranhos? É esta a estrutura adotada, ultimamente, por diversas páginas de conteúdos que publicam notícias virais nas redes sociais, como o Buzzfeed e o Upworthy. Para captar a atenção dos leitores, estes artigos recorrem a títulos misteriosos, leads que apelam à curiosidade e incluem, quase sempre, o nome de alguém popular, como, por exemplo, Cristiano Ronaldo, um vídeo de alto impacto ou uma lista de coisas que precisa mesmo, mas mesmo de saber.
Ainda por aí? Então já podemos falar do que torna, hoje em dia, uma notícia popular no Facebook, o meio de comunicação mais lido da História. Páginas como o Buzzfeed e o Upworthy, agregadores de conteúdo altamente viral, influenciam cada vez mais não só a forma como consumimos informação, mas também a maneira de elaborar notícias. Agora, à "última hora" sobrepõe-se a intemporalidade, porque um bom artigo é aquele que é capaz de gerar "buzz", mesmo dois anos depois de ser publicado. "Partilhar uma notícia" é, atualmente," mais importante que consumi-la", garante um jornalista do El País, opinião partilhada por António Granado, professor na Universidade Nova de Lisboa e especialista em jornalismo digital. Porquê?
"A maioria dos órgãos de comunicação social já não vive sem as redes sociais. Tornaram-se absolutamente essenciais para a partilha de conteúdo", explica. Uma parte importante do tráfego dos órgãos de comunicação social (OCS) já depende do Facebook, fonte primordial de consumo de notícias para muitos portugueses. "A maioria das notícias que a geração mais jovem consome chega-lhes por partilha no Facebook", competindo diretamente pela atenção de quem está online com as publicações de férias do seu amigo de infância e as fotografias do Carnaval do seu vizinho.
Rui Lourenço, especialista em redes sociais, acredita que muitos media se aproveitam desse facto para "abusar da curiosidade das pessoas". "A forma como partilhamos uma notícia nas redes sociais é meio caminho andado para garantirmos que é lida. Mas não se pode fugir à verdade, nem usar esquemas para obrigar as pessoas a clicarem, pois, a médio prazo, as pessoas perdem confiança", explica.
Ao contrário do que acontece com a televisão ou a rádio, o sucesso do jornalismo online pode ser medido em números muito concretos e, nesse campo, o clique é o rei. "Uma das coisas que tem vindo a transformar o jornalismo atual é a corrida ao clique. Muitas vezes, as notícias de interesse público são preteridas porque não vão ter cliques", explica Granado.
Esta tendência começa agora a ganhar tração em Portugal, onde já é "claríssima". Muitos OCS usam "títulos que obrigam os leitores a clicar para ver o que lá está" e a "copiar listas, na íntegra, de jornais nacionais e internacionais". Ainda não temos nenhum Buzzfeed por cá, mas o site "Notícias ao Minuto", que tem "pouco conteúdo original", copia o que sai nos jornais e "partilha rapidamente nas redes sociais", pode ser um exemplo de uma página similar.
Rui Lourenço acredita, no entanto, que "esta moda não vai durar muito tempo", porque "gera cansaço". "As pessoas vão acabar por se cansar, "desligar" das páginas que o fazem e haverá menos e menos cliques", prevê. Esta nova realidade pode até ser passageira, mas tem as suas consequências. "Estas tendências são efémeras, mas estragam a confiança que as pessoas têm nos jornalistas", acredita António Granado. Para que isso não aconteça, é preciso que "a estratégia seja feita com consciência, por alguém nas redações que reveja o que é publicado e faça a ponte entre a redação e as redes sociais", acrescenta, por sua vez, Rui Lourenço.
Quanto ao Buzzfeed, Granado entende que é "um modelo de negócio como outro qualquer", que se baseia "exclusivamente em captar audiências", criando conteúdos que "as pessoas gostam de ler". "Foram criados com esse objetivo. Baseiam-se somente nos cliques". Por isso mesmo, Granado tem dificuldade em chamar jornalismo a este tipo de conteúdo. "O jornalismo, assim, fica desvirtuado". "Acho que não podemos mesmo falar em jornalismo nestes casos, pois muitas das coisas que fazem são somente conteúdos engraçadinhos ou reciclagem de material".
Por outro lado, e à medida que estes exemplos proliferam e tornam-se regra, há quem tente contrariar a tendência, utilizando as redes sociais de forma inovadora, sim, mas com o intuito de dar notícias "à moda antiga". A BBC, por exemplo, deixou de lado os "teasers" para vídeos mais longos e adotou o Instagram como ferramenta para dar "hard news", em vídeos altamente focados e que resumem, de forma direta, os principais assuntos do dia. As "newsletters", que resumem num só espaço os principais assuntos do dia, ganharam nova vida nos últimos tempos e o movimento a favor das chamadas "slow news" (notícias elaboradas com mais tempo e mais longas do que o habitual) também tem ganhado adeptos, numa espécie de retorno ao jornalismo de antigamente.
A próxima tendência é, por isso, a qualidade, acredita Rui Lourenço. "Quem faz jornalismo de qualidade vai ganhar audiência. A médio prazo, não tens de vender. Só tens de ser bom", remata.