Desenho sobre o drama do menino francês desaparecido em julho passado e encontrado morto na semana passada deixou a revista francesa "Charlie Hebdo" novamente debaixo de fogo.
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A capa da mais recente edição da revista satírica francesa "Charlie Hebdo" - popularizada à escala global depois de ter sido alvo de um atentado terrorista, em 2015, - está longe da unanimidade. Isto porque representa o caso, entretanto mediatizado, da morte de Émile Soleil, o menino francês de dois anos e meio, que esteve desaparecido desde julho de 2023 e cujas ossadas foram encontradas no sábado passado, na região de Vernet.
Em letras grandes brancas, com sombra preta sobre fundo vermelho, a palavra "Émile" desfaz as dúvidas que pudesse haver sobre a inspiração para a primeira página da revista. Imediatamente em baixo, uma cana de pesca segura o esqueleto de uma criança. Ao lado, dois repórteres retratados com um certo ar sequioso, com os olhos franzidos, as línguas de fora e as pernas fletidas como que em posição de corrida, apontam-lhe as câmaras de filmar. Do lado direito, em baixo, lê-se a frase "Le nonnosse qui excite la meute" - que, em português, equivale mais ou menos a "O ossinho que alimenta a matilha". Assim é a capa que, à semelhança do que também já aconteceu com outras anteriores, gerou amores e ódios.
Nas redes sociais, acumulam-se as acusações de falta de respeito e intensificam-se os debates sobre os limites da liberdade de expressão, com inúmeros utilizadores a acusarem os autores da revista de "insultarem" a vítima e a família, desrespeitando o seu sofrimento. Recentemente, num programa de televisão, um homem chegou mesmo a dizer que agrediria um jornalista da publicação em casa se o visse na rua.
"A primeira página do Charlie Hebdo. Nojento! Nenhum respeito pelo pequeno Émile, os seus entes queridos e os seus pais. O humor tem limites... Estou enojado!", escreveu no X (antigo Twitter) o antigo candidato às legislativas francesas Tony Leprêtre (pelo partido nacionalista The Patriots), acrescentando, no final da mensagem, a hashtag "JeNeSuisPasCharlie" (Eu não sou Charlie), em referência ao movimento "Je Suis Charlie" (Eu sou Charlie), que se criou na sequência do ataque à redação do Charlie Hebdo, a 7 de janeiro de 2015.
Por outro lado, na sequência das críticas à capa, foram também várias as vozes que se fizeram ouvir, defendendo a imagem criada pela revista e mudando a agulha do debate: a tónica do cartoon, dizem, não está sobre a morte da criança, mas sim sobre a cobertura mediática da mesma. Ou seja, não satiriza a tragédia, satiriza os jornalistas que, durante as últimas semanas, a exploraram, muitas vezes espetacularizando-a com vista às audiências.
Muitos internautas nas redes sociais, incluindo várias pessoas do mundo artístico, argumentam que toda a gente tem o direito de não gostar da capa ou de considerá-la de mau gosto, mas que, assim sendo, devem não comprá-la, e não atacá-la por exercer a liberdade de expressão que a Constituição francesa permite.
"Não é o desenho do Charlie Hebdo que é chocante, mas sim o tratamento dado a este triste caso pela imprensa, que chega ao ponto de assediar pais enlutados (ou mesmo suspeitar deles)", pode ler-se entre os vários comentários de quem defende o desenho.
O caso Émile: desaparecido do jardim de casa dos avós
Émile, de dois anos e meio, desapareceu no dia 8 de julho de 2023, na região de Vernet, numa comunidade com cerca de 125 habitantes. De acordo com a imprensa francesa, o menino estaria a brincar no jardim da casa dos avós, depois de ter dormido a sesta, quando deixou de ser visto. A mãe e o pai estavam ausentes no dia do desaparecimento. Foi imediatamente aberto um inquérito judicial e mobilizados para o local do desaparecimento vários meios de busca, incluindo helicópteros e drones, mas só ao fim de oito meses, no passado sábado, é que o paradeiro da criança, já sem vida, foi localizado, tendo as autoridades encontrado ossadas da vítima.
A confirmação aconteceu três dias depois de a Polícia ter regressado ao vilarejo, isolado a área e convocado 17 pessoas, incluindo familiares, vizinhos e testemunhas, para reconstituir os momentos que antecederam o desaparecimento da criança.
De acordo com a imprensa francesa, as autoridades continuam a trabalhar na investigação, no sentido de apurar as causas do desaparecimento e da morte de Émile.