Trump usou factos e imagens falsas para inventar "genocído de brancos" na África do Sul
Donald Trump confrontou o presidente sul-africano com afirmações sobre um alegado "genocídio branco" de agricultores na quarta-feira, na Sala Oval, perante jornalistas. Cyril Ramaphosa negou as acusações. De acordo com o "fact-checking" da BBC, as imagens usadas por Trump para suportar as alegações são falsas.
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Durante o encontro dos dois chefes de Estado, a equipa de Trump exibiu um vídeo que mostrava o político da Oposição sul-africana Julius Malema a cantar uma música que apelava à violência contra os agricultores brancos, bem como imagens com filas de cruzes numa estrada, que o presidente norte-americano disse ser um cemitério para agricultores brancos assassinados.
Os apoiantes da administração Trump, segundo recorda a BBC, há muito que amplificam as alegações de violência contra a minoria branca na África do Sul, nomeadamente Elon Musk e o antigo apresentador da Fox News, Tucker Carlson, que publicou segmentos sobre o alegado genocídio durante o primeiro mandato do presidente. Algumas das afirmações são comprovadamente falsas.
Filas de cruzes na estrada são homenagem
Durante a reunião com o presidente sul-africano, Trump mostrou fotografias de uma fila de cruzes espalhadas pela estrada, que o chefe de Estado dos EUA afirmou serem locais onde foram enterrados "mais de um milhar de agricultores brancos".
No entanto, as cruzes não representam sepulturas, mas sim um protesto contra o homicídio de um casal de agricultores brancos, Glen e Vida Rafferty, em 2020. O vídeo foi partilhado no YouTube a 6 de setembro desse ano.
"Não é um local de enterro, é um memorial temporário", explicou Rob Hoatson, um dos organizadores do protesto, à BBC. De acordo com o envolvido, as cruzes foram erguidas "em homenagem" ao casal.
O memorial foi, entretanto, retirado. Imagens da região, de 2023, já mostram o local sem as cruzes, segundo confirmou a estação britânica.
Imagem de África do Sul afinal é do RD Congo
O presidente norte-americano também mostrou, durante o encontro com Ramaphosa, uma notícia que afirmou comprovar o "genocídio" de agricultores brancos na África do Sul. Mostrou uma imagem da notícia e afirmou que mostrava os "locais de enterro por todo o lado". "Estes são todos agricultores brancos que estão a ser enterrados", garantiu.
No entanto, a imagem não foi sequer captada no país visado por Trump. Na verdade, pertence a uma reportagem sobre o homicídio de mulheres na República Democrática do Congo (RD Congo).
A imagem foi retirada de um vídeo da agência noticiosa britânica Reuters, filmado na cidade de Goma, na República Democrática do Congo, em fevereiro deste ano.
Música que apela à violência
Trump mostrou vídeos de comícios políticos em que os participantes cantavam "Kill the Boer", uma música controversa que já chegou a ser classificada pelos tribunais sul-africanos como um discurso de ódio, em 2022.
No entanto, a decisão sobre a música, que alguns defendem incitar à violência contra agricultores brancos, foi revertida e é permitido cantá-la legalmente em comícios, dado que os juízes consideram que se trata de um argumento político e não invoca diretamente a violência.
O presidente norte-americano, durante a reunião na Sala Oval, afirmou que quem cantava a música eram "funcionários do Estado" e "pessoas que estavam em funções".
Julius Malema, um dos homens que aparece a cantar a música num vídeo de 2023, lidera um partido chamado Combatentes da Liberdade Económica (EFF), que obteve 9,5% nas eleições do ano passado e faz agora parte da oposição. Cyril Ramaphosa sublinhou que o EFF era "um pequeno partido minoritário" e que a política do governo atual "é completamente contrária ao que ele estava a dizer".
Quem também aparece a cantar a música num vídeo de outro comício, em 2012, é o antigo presidente sul-africano Jacob Zuma, que deixou o cargo em 2018. O seu partido, o ANC, prometeu deixar de cantar a música pouco tempo depois. Zuma abandonou, mais tarde, o ANC e lidera atualmente o partido da oposição uMkhonto weSizwe (MK), que obteve mais de 14% nas eleições do ano passado.
De mais de 26 mil homicídios, apenas oito eram agricultores
O presidente dos EUA referiu que "muitas pessoas" estavam "preocupadas" com a situação na África do Sul. "Temos muitas pessoas que sentem que estão a ser perseguidas e que estão a vir para os EUA, por isso, aceitamos pessoas de muitos locais se acharmos que há perseguição ou genocídio a acontecer". Esta já não é a primeira vez que Donald Trump se refere a um alegado "genocídio branco" de agricultores na região.
De acordo com dados do Serviço de Polícia Sul-Africano, o país tem uma das taxas de homicídio mais elevadas do Mundo. No ano passado, registaram-se 26.232 homicídios. Destes, 44 foram assassinatos de pessoas da comunidade agrícola e, destes, oito foram de agricultores.
Nas estatísticas oficiais, os números não estão descriminados por etnia, o que mostra falta de provas que suportem o "genocídio branco" referido por Trump.
A BBC avança, no entanto, que a União Agrícola do Transvaal (TAU), que representa os agricultores, compila números que dão uma ideia da identidade racial das vítimas, baseada em relatórios dos meios de comunicação, publicações nas redes sociais e relatórios dos próprios membros.
Segundo a TAU, que aponta números diferentes, os ataques a explorações agrícolas em 2024 na África do Sul mataram 23 pessoas brancas e nove pessoas negras. Em 2025, até agora, foram registados sete assassinatos, três de pessoas brancas e quatro de pessoas negras.