O acidente com um 787-Dreamliner na Índia é o primeiro deste modelo da Boeing, um avião recente e recheado de tecnologia. A queda surge numa altura em que a empresa norte-americana se tenta levantar depois de anos terríveis com o 737 Max e de ter pagado, há um mês, 960 milhões de euros para evitar um processo judicial.
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Consumo de combustível mais eficiente, materiais modernos utilizados na aviação militar como fibra de carbono reforçada, mais silencioso e mais confortável para passageiros e tripulação. Um conjunto de superlativos que ajudam a caraterizar o Boeing 787 Dreamliner, pensado como o avião de passageiros de longo curso para o século XXI e o último grande sucesso da construtura norte-americana, caída em desgraça pouco tempo depois do lançamento deste gigante dos ares, em 2011.
O acidente desta quinta-feira com um Dreamliner da Air India tem o potencial para afundar ainda mais Boeing, que desde os problemas com o 737 Max parece não conseguir sair de uma espiral negativa, mesmo que a investigação venha a provar que o primeiro desastre aéreo fatal deste modelo não esteja relacionado com algum problema estrutural. Longe vão os tempos em que a frase com um toque de humor "if it ain't Boeing, I ain't going" (se não for Boeing, não vou) era levada a sério no mundo da aviação, pela confiança sentida pelo público e pelas companhias aéreas nos aviões da empresa. Tudo mudou com uma série de incidentes com o modelo 737 Max, a última versão do avião comercial mais popular a nível global.
Ao contrário da europeia Airbus, que decidiu construir de raiz o A320 Neo, a Boeing tomou a decisão de fazer evoluir o 737 e com isso traçou o futuro descendente da companhia. Em 2017, o Max fez o primeiro voo comercial e as ordens de compra foram-se acumulando. Tudo parecia encaminhado para o sucesso, até que em outubro de 2018 um avião da Lion Air caiu, causando a morte a 189 pessoas a bordo. As atenções voltaram-se para um sistema de controlo novo, o MCAS, que não terá sido mostrado aos pilotos e empresas de aviação. O sistema ajudava os pilotos a manter o ângulo correto da aeronave e foi necessário introduzi-lo no 737 Max, porque os motores são montados numa posição diferente na mesma estrutura da aeronave antiga, alterando o equilíbrio do avião.
Em março do ano seguinte, novo acidente fatal, desta feita com um avião da Ethiopian. 157 mortes a bordo, numa queda em tudo semelhante à da Lion Air e uma machadada na credibilidade da Boeing, com uma suspensão global dos voos com este modelo. Só em dezembro de 2020, o 737 Max voltou a voar no Brasil, EUA e depois noutros países. Apesar de estes terem sido os mais graves acidentes com o avião da Boeing, muitos outros foram sendo registados, como, por exemplo, em 2024, a porta de um 737 Max 9 da Alaska Airlines ter saltado em voo. Um relatório das autoridades norte-americanas revelou que havia quatro parafusos em falta naquela porta, depois de trabalhos terem sido realizados em fábrica.
Estes problemas criaram um clima de desconfiança entre os passageiros na empresa e foram surgindo notícias sobre laxismo nos procedimentos de seguranças nas fábricas da construtora norte-americana. Em 2024, um painel de peritos revelou falhas na "cultura de segurança da Boeing", apesar dos esforços de correção e o mesmo escreveu a Agência Federal de Aviação sobre a Spirit AeroSystems, principal fornecedora de peças e que atualmente voltou ao controlo da casa-mãe.
Pelo meio deste turbilhão, muitos processos judiciais, batalhas de opinião pública, notícias sobre um regulador próximo demais da empresa, acordos com famílias de vítimas e com o Estado norte-americano. Todos estes problemas levaram a cancelamento de encomendas, atraso na entrega de aviões novos e perdas financeiras substanciais. O ano de 2024 fechou com perdas de quase 870 milhões de euros por mês, apesar de existirem sinais de recuperação em 2025. No mês passado, a Boeing concordou em pagar cerca de 960 milhões de euros, para evitar um procedimento criminal relacionado com os dois acidentes mortais de 2018 e 2019.
787 Dreamliner
Atualmente, há mais de 1100 Boeing 787 ao serviço de companhias aéreas e, apesar do sucesso, o modelo não está isento de problemas e polémicas. Para além dos atrasos na entrega aos clientes, devido à falta de peças para motores, ainda está por explicar um mergulho num voo da Latam em 2024, que provocou ferimentos em 50 pessoas. No ano passado, as autoridades norte-americanas começaram uma investigação a uma denúncia de um antigo engenheiro da empresa, que afirmava existirem painéis mal montados no aparelho, com risco de se soltarem em voo.