Red Hot Chili Peppers foram os reis da noite num recinto lotado. Black Keys cumpriram mas não entusiasmaram. E, antes, houve rock com ginga e alguma coisa que não se percebeu bem o quê.
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“Teremos esta noite para sempre”. Disse-o Anthony Kiedis, no primeiro dia de Nos Alive, ao fechar o aguardado e adorado concerto da banda a que dá letras e voz desde 1983. Se dúvidas houvesse sobre o prato-estrela da ementa apimentada de hoje, as fileiras de t-shirts com o logótipo dos roqueiros de Los Angeles a marcar lugar no palco principal desde o início da tarde dissipá-las-ia a todas. E a confirmação disso mesmo veio às onze e meia da noite, quando o recinto do palco principal do Passeio Marítimo de Algés se tornou pequeno para tanta gente.
Os Red Hot Chili Peppers já têm 40 anos e só têm 40 anos: são novos e velhos ao mesmo tempo e são um daqueles casos em que a Terra gira e eles giram com ela, renovando-se entre gerações e acompanhando-as. O vocalista tem mais vinte anos, mas são uns 60 muito bem conservados fisicamente - olhando para ele, pelo menos à distância que o separa do meio do público, ninguém adivinharia a infância de drogas, sexo e excessos, tudo palavras que não combinam com a devida ingenuidade de ser-se criança. Do pescoço para cima, Kiedis até se fazia passar por Beatle, com o cabelo escuro direitinho colado à cabeça e um bigode denso à anos 80. Do pescoço para baixo, o corpo magro e definido quase sempre contido e parado no meio do palco foi-se soltando mais até querer despir-se já no fim.
Muito compenetrado, Kiedis agarrava o microfone com as duas mãos firmes, com robustez. E a vivacidade que às vezes lhe faltou - em contraste com a restante banda - teve um crescendo até ao fim da hora e meia de concerto em que o grupo foi glorificado pelo público eufórico que o esperava desde as primeiras horas. Houve muitas guitarradas do recém-regressado John Frusciante - a primeira logo no arranque do concerto, na “Intro Jam”, imediatamente antes de “Can’t Stop” (do álbum de 2002 “By The Way”) – e o baixista Flea estava tão imparável quanto o baterista Chad Smith. Sobretudo nos momentos mais altos das 18 músicas tocadas, como em “Dani California”, “By the Way” e no hino “Californication”, houve aplausos e clamores, braços e corpos dançantes, cerveja no ar sem copo e copos no ar sem cerveja. E o tal crescendo agigantou-se no fim, com “Give it Away”, num encore que deixou o vocalista despido de camisola e o público despido de vergonhas.
Antes de as malaguetas vermelhas e picantes fazerem as delícias de um público a arder da boca e a pedir por água, os Black Keys foram o aquecimento que o deixou morno. Mas não mais do que morno. A dupla norte-americana formada em 2001, que gravita entre o blues e o indie-rock e que, a contar com esta noite, já esteve dez vezes em Portugal, cumpriu a missão de ser prática e eficaz, mas esteve longe de dar febre - nem com “Fever” – e está tudo bem, nem todos os concertos têm de ser inesquecíveis. Apesar de quilómetros de estrada e um repertório suficientemente longos para potencialmente entusiasmarem a multidão, só dois ou três de 16 temas tocados conseguiram fazer subir a temperatura, que ao início da noite descia em Algés. Às 21.30 horas certas, “I Got Mine” marcou o arranque do duo de Akron (Ohio), mas foi preciso passar mais de metade do concerto para haver uma resposta inflamada. Só “Howlin’ for You”, “Wild Child” e, no fim, “Lonely Boy” (do álbum “El Camino”, 2011) estimularam o público, ainda assim longe de se sentir arrebatado.
Rock dançável e rock FBI abriram palco
Enquanto não chegavam os cabeças de cartaz... o resto do corpo. O primeiro dia do Alive foi dedicado ao rock norte-americano. Ou, num plural americanizado, aos rocks, porque foram muitos: o funk rock dos Red Hot Chili Peppers, o blues rock e indie-rock dos The Black Keys, o eletro-rock dos Puscifer e o pop-rock e rock alternativo dos irmãos Driver Era.
De Los Angeles para Algés, a dupla Ross e Rocky Lynch inaugurou o palco principal - o maior de sete, por onde até sábado passarão 14 nomes maioritariamente internacionais - numa intensidade boa, a justificar os elogios da “Rolling Stone” e da MTV. São dois rapazes bonitos e saltitantes, com pinta veranil a condizer com o sol de Algés. Vocalistas e guitarristas, são corporalmente e facialmente muito expressivos, bamboleando as ancas, um deles de camisa aberta a desvendar os abdominais irrepreensíveis, agarrado à guitarra como se fosse sua amante, em interação constante com o público, a sentir a música e a sentir-se a si. Trouxeram temas dos três álbuns (o último é “Summer Mixtape”) e agarraram sem dificuldade o público, que aos poucos ia surfando a onda californiana, antes de um volte-face em palco.
Quando a onda passou, trouxe os Puscifer, que vêm da mesma cidade, mas não podiam ser mais diferentes. A ponto de deixarem o público com cara de "que raio é isto?". “Somos uma banda de rock and roll e viemos tocar rock and roll. Não somos de uma agência do Governo à procura de extraterrestres”, disseram. E percebe-se a necessidade do esclarecimento. Eram oito músicos, mas podiam bem ser agentes do FBI: óculos escuros, cabelos muito bem penteadinhos para trás, fatos pretos com camisa e gravata, cara séria, pose hirta, às vezes desmontada em tímidas danças coordenadas que acompanhavam um eletro-rock pós-industrial, como em "Momma Sed". A banda, que conta com quatro álbuns de originais, expandiu em palco as fronteiras da música para terrenos que roçaram o drama performativo, anunciado pelo batom vermelho vivo do vocalista, Maynard James Keenan.
Fãs de Red Hot Chili Peppers em peso
Três e picos da tarde e uns 30 graus aprazivelmente amaciados pela frescura do Tejo, ali a espreitar em cada canto do Passeio Marítimo de Algés, e já os fãs de Red Hot Chili Peppers - com atuação marcada para as 23.30 horas - se passeavam pelo recinto ainda desafogado do NOS Alive.
A frente do palco principal, já compostinha de t-shirts com o logótipo da banda, não enganava. “Não encontro nenhum álbum dececionante na discografia deles, por isso o que vier é bem-vindo”, dizia Hugo, lá no meio, que aos 38 anos teve a alegria de ver uma das bandas que mais lhe marcou a juventude. Veio de Paços de Ferreira com a namorada, Catarina, 31 anos, e o irmão dela, João, menos dez. A diferença de idades não altera o denominador comum, não fosse Red Hot Chili Peppers uma daquelas bandas que une pais e filhos.
Que o diga Dulce e António, que vieram com a miudagem lá de casa: são dois pais e três filhos de Azeitão, que querem ver ao vivo a banda que só viram na televisão (além de Black Keys), com “I Like Dirt”, “Around the World” e “Californication” no topo das preferências.
Bruno elevou a exigência: junto a uma grade mais atrás, de onde se abeirou para garantir “local estratégico”, pedia que a sua banda preferida de sempre tocasse a rara Otherside. Aos 31 anos, preparava-se para assistir ao quarto concerto do grupo e mostrava-se esperançado em ouvi-la finalmente - “pode ser que seja desta” -, enquanto fazia a fotossíntese junto do irmão e da namorada, que regressam a Coimbra e Águeda à noite (sabemos agora que regressaram sem a sorte de ouvir o tema ao vivo).