Crescem os pedidos de apoio de quem trabalha a tempo inteiro, mas é forçado a recorrer ao crédito para sobreviver cada mês.
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Há cada vez mais famílias em dificuldades e muitas já se endividam para conseguir pagar a renda e despesas essenciais como as contas do supermercado, da água, luz e gás. Apesar de manterem rendimentos fixos e trabalho a tempo inteiro, veem-se forçadas a recorrer ao crédito. O alerta é lançado pela coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira da Deco, Natália Nunes, que sublinha que os aumentos dos preços da habitação e dos bens alimentares estão a ultrapassar largamente a evolução dos rendimentos, conduzindo muitos agregados familiares a uma situação de desequilíbrio orçamental.
“Já não estamos a falar de famílias que têm um acidente na vida, uma situação de divórcio, de doença ou de desemprego, causadoras das dificuldades. Estamos a falar de famílias que têm a sua vida financeira, na maioria dos agregados, os dois estão a trabalhar, mas o rendimento não é suficiente. E fruto do aumento da fatura do supermercado e da habitação, acabam por estar em grandes dificuldades”, relata. Para manterem “tudo em dia”, recorrem ao crédito. “Muitas vezes, acabam por entrar quase numa vida a crédito e qualquer pequena alteração pode provocar uma grande rutura”.
Os números confirmam a tendência: o endividamento dos particulares – que, neste caso, inclui famílias, empresários em nome individual e instituições sem fins lucrativos ao serviço das famílias – tem aumentado de forma contínua desde janeiro de 2024.
Segundo dados do Banco de Portugal, o valor ultrapassou os 160 mil milhões de euros em fevereiro deste ano e atingiu, em abril, os 162,3 mil milhões, situando-se no montante mais elevado da última década.
Sempre a aumentar
Os últimos dados disponíveis – relativos a abril último – mostram que o endividamento aumentou 0,5% face ao mês anterior (mais de 161,4 mil milhões de euros em março) e cerca de 5,1% em termos homólogos, comparando com os 154,4 mil milhões que foram registados em abril de 2024.
Natália Nunes sublinha que situações de sobre-endividamento em que se recorre a vários créditos pessoais, crédito automóvel ou até empréstimos para iniciar pequenos negócios se tornaram comuns. Em muitos casos, são os próprios consumidores a procurar ajuda preventiva, numa tentativa de evitar o incumprimento, nota a responsável.
Ainda que relativamente ao período homólogo tenham diminuído, neste ano, até abril, foram celebrados 557 833 novos contratos de crédito no valor de 2,9 mil milhões de euros, a maioria em cartões e descontos (302 081), seguindo-se o crédito pessoal (184 350) e o automóvel (71 402).
Ao gabinete também têm chegado pedidos de aconselhamento por parte de estrangeiros a residir em Portugal, sobretudo porque recorrem ao crédito para pagar cauções de arrendamento e a primeira renda. Há também casos de portugueses emigrados que mantêm dívidas no país, nota a coordenadora.
Reincidência preocupa
Outro dado preocupante é a reincidência de endividamento em famílias que já passaram por processos de insolvência e beneficiaram da exoneração do passivo restante. “Ao fim de dois ou três anos, voltam a estar em situação de sobre-endividamento, o que é um sinal muito negativo, quer para os próprios, quer para as instituições de crédito”, afirma Natália Nunes.
Os montantes das dívidas variam, mas, mesmo sem crédito à habitação, o acumulado em créditos pessoais e cartões chega, por vezes, aos 72 mil euros, revela.
Entre os mais vulneráveis estão também os pensionistas, cujo rendimento diminui após a reforma, mas cujas despesas, especialmente em saúde e habitação, continuam a crescer.
Há apoios especializados para organizar orçamento
Pormenores
Subida contínua
O endividamento das famílias tem crescido de forma contínua, refletindo uma preocupante dependência do crédito para manter a estabilidade financeira.
Alívio limitado
Apesar da descida das taxas de juro do crédito à habitação, o impacto para muitas famílias não é suficiente devido ao peso das despesas. A redução não compensa o aumento acumulado nos últimos anos.
Mais alto da década
O valor do endividamento atingiu, em abril, os 162,3 mil milhões de euros, segundo o Banco de Portugal. É o mais elevado desde 2015.