António Costa pediu desculpa aos portugueses, este sábado à noite, por ter sido encontrado dinheiro nas buscas feitas em São Bento ao seu chefe de gabinete. O primeiro-ministro demissionário fala em "confiança traída" e confessa: "envergonha-me".
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Numa declaração ao país, pelas 20.08 horas, António Costa começou por dizer que esta semana "todos fomos surpreendidos por um processo judicial muito grave", referindo-se à operação Influencer, na sequência da qual anunciou a sua demissão.
Sublinhando a sua confiança na Justiça - "que confio e respeito" - Costa referiu-se à "apreensão de envelopes com dinheiro" em São Bento, no escritório do seu chefe de gabinete, "uma pessoa que escolhi para comigo trabalhar". Em causa, 75.800 euros em numerário encontrados nas buscas ao gabinete de Vítor Escária, que foi por isso exonerado.
"Mais do que me magoar pela confiança traída, envergonha-me perante aos portugueses", confessou. "Tenho o dever de pedir desculpa aos portugueses".
Em seguida, o primeiro-ministro demissionário destacou que "é dever dos governos a atração de investimento empresarial, designadamente no sentido de promover a atração de investimento estrangeiro", assegurando que as decisões políticas são tomadas após avaliações técnicas independentes.
Recorde-se que a operação Influencer abrange suspeitas sobre as concessões de exploração de lítio de Montalegre e de Boticas; um projeto de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines e a construção de um centro de dados na Zona Industrial e Logística de Sines pela sociedade Start Campus.
Costa defendeu ainda que “a simplificação de procedimentos promove a transparência. Tal como para a vida dos cidadãos, é também essencial para as empresas a redução burocracia e a redução dos custos de contexto no investimento”.
A terminar, cerca de 12 minutos depois, Costa quis "esclarecer" que "atrair investimento, valorizar os nossos recursos naturais, eliminar burocracia, preservar os valores ambientais e promover o desenvolvimento regional são prioridades políticas deste Governo, sempre no estrito cumprimento da lei", garantiu.
"À justiça o que é da justiça, à política o que é da política", reiterou, defendendo que ao próximo governo que sair das eleições antecipadas de 10 de março "tem de ser garantida liberdade de ação política."
Questionado pelos jornalistas, o primeiro-ministro demissionário falou ainda sobre o advogado Lacerda Machado - que um dia disse ser o seu melhor amigo -, assegurando que o mesmo nunca atuou com o seu mandato no projeto para a construção do "data center" de Sines. "O doutor Diogo Lacerda Machado há muitos anos que não colabora neste gabinete e não tinha qualquer mandato da minha parte para fazer o que quer que seja neste caso que tenho visto referido no jornal. Nunca falou comigo a respeito deste assunto em circunstância alguma", começou por responder.
Depois, referiu-se às suas relações pessoais com o antigo secretário de Estado Diogo Lacerda Machado. "Apesar de, num momento de infelicidade, ter dito que ele era o meu melhor amigo, aquilo que é a realidade é que um primeiro-ministro não tem amigos. E quanto mais tempo exerce, devo dizer, aliás, menos amigos tem", contrapôs.
Neste contexto, o líder do Executivo acrescentou que o que Lacerda Machado "tenha feito ou não tenha feito neste processo", nunca o fez com a sua autorização, com o seu conhecimento, com a sua interferência. "E nunca por nunca falou comigo sobre este assunto", reforçou.
Busca, demissão e eleições
António Costa demitiu-se, na passada terça-feira, na sequência da operação "Influencer". Após ouvir os partidos e o conselho de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa anunciou a convocação de eleições legislativas antecipadas em 10 de março de 2024.
A operação "Influencer" assentou em pelo menos 42 buscas e levou à detenção de cinco pessoas para interrogatório: o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária, o presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, dois administradores da sociedade Start Campus, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, e o advogado Diogo Lacerda Machado, amigo de António Costa.
No total, há nove arguidos no processo, entre eles, o ministro das Infraestruturas, João Galamba, o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, o advogado e antigo porta-voz do PS João Tiago Silveira e a empresa Start Campus.
Na investigação aos negócios do lítio, hidrogénio verde e do centro de dados de Sines, segundo Ministério Público (MP), podem estar em causa os crimes de prevaricação, corrupção ativa e passiva de titular de cargo político e tráfico de influência.
O processo visa as concessões de exploração de lítio de Montalegre e de Boticas, ambos em Vila Real; um projeto de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, Setúbal, e o projeto de construção de um centro de dados na Zona Industrial e Logística de Sines pela sociedade Start Campus.
O primeiro-ministro, António Costa, é alvo de uma investigação no Supremo Tribunal de Justiça, após suspeitos terem invocado o seu nome como tendo intervindo para desbloquear procedimentos nos negócios investigados. Segundo a indiciação, o MP considera que houve intervenção do primeiro-ministro na aprovação de um diploma favorável aos interesses da empresa Start Campus.