GUIdance recebeu, esta quinta feira, "Sensorianas" de Clara Andermatt, num concorrido Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães. Uma obra resultante do programa "Outros Mundos", dos Estúdios Victor Cordon que presta homenagem a comunidade migrantes residentes em Portugal, a primeira edição é dedicada ao Irão.
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Clara Andermatt tem um percurso marcado por uma abordagem coreográfica que cruza diferentes tradições culturais, resultando em espetáculos que poderíamos considerar quase “etnográficos” pela forma como exploram identidades, memórias e práticas culturais específicas. O seu trabalho investiga, frequentemente, contextos históricos e sociais, incorporando elementos da música, dança e oralidade de diferentes comunidades.
Alguns dos seus espetáculos com uma vertente etnocoreográfica mais vincada são: “Parece que o Mundo” (2015) – criado em Cabo Verde, com a energia e a vivência cabo-verdiana, explorando danças tradicionais e contemporâneas, ou “Outra coisa” (2013), uma produção que mergulha na cultura de São Tomé e Príncipe, trabalhando a interseção entre tradição e contemporaneidade, ou ainda “Raio X” (2010) – uma abordagem documental sobre os bailarinos cabo-verdianos, explorando os seus percursos e influências culturais.
Portanto quando os Estúdios Victor Cordon, a convidam para o programa "Outros Mundos", para homenagear comunidades migrantes residentes em Portugal, não há grande surpresa. "Sensorianas ", o resultado prático deste apelo inspirado na cultura persa, é uma homenagem à comunidade iraniana a viver em Portugal.
Primeiro o impacto da cenografia, criada por Eric Costa, tem um efeito de maravilhamento que se prolonga durante os 90 minutos que dura a obra. Uma espécie de paisagem rochosa de grandes dimensões que abraça o grupo de cinco bailarinas que ali se apresenta.
Fulcral é também a presença da bailarina Heliah Bandeh, além de ser intérprete é também consultora artística. Um corpo expressivo, uma fluidez de movimento, tradição e identidades enraizadas, sem esforço visível. Mas, Andermatt deixa as coisas claras, não há aqui nenhuma tentativa de recriar as tradições, mas sim dar-lhes uma outra roupagem. Há alguns figurinos com elementos tradicionais, há tapetes persas, música e poesia e apontamentos coreográficos, mas à luz de Andermatt.
O espetáculo dividido em quadros, é intercalado por solos de Bandeh, simultaneamente elemento divisor e agregador de cenas. Nem sempre o ritmo e a fluência do espetáculo é completamente conseguida, existindo momentos de alguma desconexão. Mas, com laivos criativos de rasgo, a cena dos espelhos é das mais conseguidas, bem como a sequência inicial com momentos de comovente sororidade.
O trabalho de Clara Andermatt não se limita a uma mera recriação de tradições, mas reinventa-as num diálogo entre passado e presente, entre raiz e experimentação. Ela transforma a etnografia num campo de experimentação artística, onde a dança se torna um espaço de escuta, descoberta e transformação.