Mãe e bebé morreram dentro do carro em Valência. "Vi-as a pedir ajuda no tejadilho"

Antonio Tarazona, 59 anos, e Lourdes María García, 34, foram duas das centenas de pessoas que ficaram retidas no meio das enchentes que desde terça-feira à noite assolam o leste de Espanha. Seguiam de carro com a bebé de três meses, Angeline, de Paiporta (na periferia de Valência) para a cidade, quando o temporal começou a piorar.

Tentaram chegar a solo firme, mas acabaram impedidos pela água. Antonio foi arrastado pelas cheias, acabando por perder de vista a mulher e a filha, que subiram ao tejadilho do carro. Eram 20.50 horas de terça-feira quando Lourdes, nascida na Venezuela e radicada em Valência há cinco anos, fez aquela que seria a última chamada telefónica. Ligou a uma amiga, disse-lhe que iria tentar resistir o máximo que pudesse e pediu-lhe que cuidasse dos outros dois filhos. Clara cumpriu: caminhou ao longo de seis quilómetros até Paiporta para ir buscar Sofía, de 10 anos, e Bajix, de 13, que estão bem de saúde.

Antonio viria a ser resgatado pelas equipas de socorro e levado a um pavilhão desportivo em Valência, onde passou várias horas, na esperança de que a mulher e a filha bebé fossem levadas para o mesmo abrigo. “O carro começou a flutuar. Conseguimos prendê-lo numa placa de sinalização, tentei sair pela janela, porque a altura da água era de um metro e meio, mas a força era brutal. Tentei levar-nos para uma rotunda, mas não consegui e saí do carro. A Lourdes e o bebé ficaram lá. Estava ancorado, mas a corrente começou a arrastá-lo para baixo e a última coisa que vi foi elas a pedirem ajuda no tejadilho”, partilhou Antonio, ao "El País".

Em desespero, relatou, saltou uma vedação e tentou ir atrás da mulher e da filha quando as viu afastarem-se, mas não conseguiu. “Era impossível”, lamentou o homem, arrastado pela força da água. A notícia chegaria às 22 horas de quarta-feira: a Guarda Civil confirmou a Tarazona que os corpos da mulher e da bebé, que a família procurava desde terça-feira à noite, tinham sido encontrados dentro do carro. "Que Deus nos ajude e nos dê esperança. Não posso fazer nada agora", desabafou Antonio.

Com uma população de 25.300 habitantes, Paiporta foi uma das zonas mais afetadas pelo temporal que se abateu sobre o leste de Espanha na terça-feira à noite. A província de Valência, onde foram registadas quase todas as pelo menos 95 vítimas mortais até agora contabilizadas, acordou na quarta-feira depois de uma noite de pesadelo, sem saber na altura a dimensão da devastação causada pela tempestade, que continua a fazer vítimas noutras zonas de Espanha. As fortes chuvas ameaçam agora duas zonas em particular: o nordeste (há avisos laranja no norte de Castellón e no sul de Tarragona) e o sudoeste (há avisos amarelos nas províncias de Cádiz, Huelva e Sevilha, na Andaluzia, e em toda a Extremadura).