Uma proposta de lei elaborada por deputados do PSD, CDS e PS tendente a reintegrar postumamente o capitão Barros Basto não foi votada por problemas regimentais e pela oposição da comunidade israelita do Porto (CIP).
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O ex-líder daquela comunidade fora expulso do exército na década de 30 do século por "práticas imorais" de circuncisão dos seus alunos judeus.
"Afrontar a lei geral do país, aplicável a todos os casos de reintegração, com uma norma especial para excluir o judeu e a sua família, é algo deplorável e escandaloso" - pode ler-se na missiva que aquela comunidade judaica dirigiu ao Parlamento e à qual o JN teve acesso.
Em causa uma norma da proposta de lei que diz que fica excluída da reintegração qualquer indemnização reparadora aos herdeiros. Este preceito, segundo a comunidade judaica portuense, "é contrário à lei geral em matéria de reintegrações, dedicando à família do judeu um tratamento especial de desfavor em relação a todas as famílias dos outros militares reintegrados após o 25 de Abril de 1974. Acresce que a família de Barros Basto nunca foi ouvida até hoje pelo Ministério da Defesa, donde se segue que nunca disse se reclama compensações ou prescinde das mesmas."
Este regime de "discriminação" para a família de Barros Basto, fundador da CIP, já tinha sido previsto na "resolução" que a Assembleia da República fez publicar em Agosto de 2012. A comunidade diz que não se pronunciou na altura sobre a mesma, porque era uma mera recomendação, incapaz de se sobrepor à lei geral do país. Agora, ao pretender-se fazer uma lei, vinculativa por natureza, a comunidade manifestou a sua oposição.
"Embora imbuídos de boa vontade, houve uma certa confusão por parte dos deputados que fizeram a proposta de lei. Já houve, em 2012, o reconhecimento por parte da Assembleia da República de que Barros Basto foi alvo de um ato anti-semita violador dos direitos humanos mais elementares.
Já houve, em 2013, o reconhecimento por parte do Chefe do Estado Maior do Exército de que Barros Basto poderia ter sido coronel desde Novembro de 1945. A única coisa que falta, e que tem que ser feita com dignidade, é a reintegração formal de Barros Basto no exército, tal como foi feita a reintegração de todos os militares vítimas de segregação antes do 25 de Abril. Não é preciso uma lei para isto, muito menos uma lei com uma normação discriminatória."
Recentemente, o Ministério da Defesa manifestou "dúvidas" sobre o enquadramento legal em que deveria ser realizada a reintegração de Barros Basto no exército. Para a CIP, "essas dúvidas só surgiram depois de a Anti-Defamation League ter instado o governo a pronunciar-se sobre o ponto da situação do caso Dreyfus português. Não há dúvidas sobre o regime a aplicar. Nunca houve. Esta é uma reintegração de 1974, não é uma reintegração de 2015. Aplicam-se as leis vigentes à data."
A história remonta à década de 30. Falsamente acusado de práticas homossexuais, Barros Basto foi absolvido dessas acusação mas condenado por realizar operações de circuncisão aos seus alunos da comunidade israelita do Porto. Aquela prática foi considerada "imoral" e Barros Basto separado do exército. Sem mais.
Pronunciado-se sobre o caso, a 1.ª Comissão do parlamento declarou em 2012 que "Barros Basto foi "separado do exército" devido a um clima genérico de animosidade contra si motivado pelo facto de ser judeu, de não o encobrir, e, pelo contrário, de ostentar um proselitismo enérgico convertendo judeus portugueses marranos e seus descendentes. A condenação de Arthur Barros Basto pela decisão do Conselho Superior de Justiça Militar no processo disciplinar militar n.º 6/1937 é justificada factualmente e motivada valorativamente por intolerância religiosa e por um preconceito antisemita verdadeiramente indisfarçáveis na análise dos autos daquele processo."
Mais tarde, em 1975, a viúva de Barros Basto pediu ao Chefe do Estado Maior do Exército a reintegração do falecido marido no exército. O pedido foi indeferido. O exército alegou que ele havia sido condenado por homossexualidade. Isto é falso. A 1.ª Comissão do parlamento não teve pejo em afirmar que esta decisão do exército, após o 25 de Abril, representou uma segunda condenação.
"O parecer/decisão de indeferimento do requerimento da viúva Lea Monteiro Azancot Barros Basto, datado de 1975, tenta compor falaciosamente essa motivação anti-semita e engendra um arremedo de factos, que haviam sido dados como não provados em 1937, tentando, em vão, transmitir alguma idoneidade a uma decisão antecipadamente definida."
Por estas razões, a comunidade israelita do Porto invoca que não há quaisquer dúvidas sobre o quadro legal a aplicar. "A reintegração de Barros Basto no exército não oferece quaisquer dúvidas legais e não depende de nenhuma lei da Assembleia da República, mas sim de um Ministro da Defesa capaz, que queira genuinamente pôr um ponto final no caso Dreyfus português."