A procriação medicamente assistida vai baixar diretamente a comissão parlamentar, sem a prevista votação em plenário nesta sexta-feira, dadas as reservas que os comunistas mostram em relação a esta matéria. O PS e o BE acederam a adiar o processo, para que esse debate seja agora feito, poupando divisões à Esquerda.
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Aos projetos-lei do PS, PEV e PAN, que alargam o acesso da procriação medicamente assistida (PMA) a mulheres solteiras e a casais de lésbicas, junta-se para discussão o do BE, que vai um pouco mais longe e inclui a possibilidade de mulheres sem útero recorrerem a gestação de substituição - popularmente denominada por "barriga de aluguer".
Conhecendo-se as barreiras que os comunistas sempre levantaram sobre o tema, o debate decorrerá agora na Comissão Parlamentar de Saúde, assegurando os socialistas que um projeto consensualizado regressará no início de 2016.
"O objetivo é afinar um texto que possa ser alargado e obter o maior consenso parlamentar possivel, em princípio, no primeiro trimestre do próximo ano. Mas obviamente não o deixar arrastar. Ate porque já há um trabalho feito sobre esta matéria, no qual o PSD até teve uma participação bastante ativa", disse, ao JN, o deputado socialista Pedro Delgado Alves.
O impasse criado após o debate dos documentos esta quinta-feira vai ao encontro de outros episódios que rodeiam a PMA no Parlamento: em janeiro de 2015, um trabalho conjunto do PS e do PSD, desenvolvido durante dois anos, ficou sem qualquer efeito, quando os social-democratas bateram com a porta e consideraram que não era oportuno votá-lo. E em fevereiro o PS viu uma proposta sua chumbada pela então maioria PSD/CDS-PP, com a abstenção do PCP.
Confrontado com a possibilidade de a PMA permanecer em suspenso, Delgado Alves promete rapidez: "Em relação ao alargamento das beneficiárias, há uma maioria clara, bastante evidente. Em relação à questão da gestação de substituição, houve muito trabalho parlamentar já realizado. Há um legado que este Parlamento recebe do anterior".
CDS rejeita "experimentalismo social"
Ontem, o PCP assumiu que "um balanço muito positivo da aplicação da lei, não obstante a necessidade de aperfeiçoamentos".
Para a deputada comunista Paula Santos, se falhas há a apontar à da PMA criada em 2006, que surgiu para colmatar uma ausência legislativa única na Europa, elas residem nos "cortes orçamentais" e na "desvalorização profissional e social dos profissonais de saúde", que fazem com que "continuem a existir famílias que cumprindo os requisitos exigidos, não têm acesso às técnicas da PMA".
Assumindo que "persistem dúvidas" sobre o tema, Paula Santos lembrou que o PCP já apresentou no passado uma proposta para mulheres solteiras poderem aceder a esta técnica contra a infertilidade. "Tal como não temos uma posição absoluta e fechada sobre matérias que estão em constante evolução e relacionadas com a dinâmica da própria sociedade", alegou, sugerindo então a discussão na referida comissão parlamentar.
Antes do adiamento, já o CDS-PP tinha garantido a sua oposição ao tema e anunciado o voto contra. "Não se pode fazer este debate, apresentar projetos, e estranhamente não fazer alusão ao Interesse e Dignidade das crianças a gerar, como se eles fossem uma parte oculta ou menor em todo este processo", disse a deputada centrista Isabel Galriça Neto.
"Nestas matérias, rejeitamos qualquer tipo de vanguardismo ou de experimentalismo social e consideramos que é fundamental harmonizar os interesses dos casais com os direitos da criança que nasce", sublinhou, para frisar que "os direitos de uns ou umas, não se afirmam contra os direitos de outros ou outras".
Segundo Galriça Neto, médica de profissão, "a PMA não é uma técnica a banalizar", criticando a proposta de barriga de substituição, exemplificando com riscos que acredita poderem surgir. "E se a criança nascer com defeitos congénitos ou adquiridos durante o parto, como se resolve a questão? E se a gestante de substituição, ao longo dos nove meses de interação biológica, genética e afetiva com o feto, e face às modificações que nela se operam, que são inquestionáveis do ponto de vista científico, se recusar, compreensivelmente, a abdicar da criança no momento do nascimento? E se ambas as partes desistirem da criança?", questionou.
Pelo PSD, Ângela Guerra assumiu a liberdade de voto dos social-democratas sobre o assunto. Ainda assim, Miguel Santos, deputado da mesma bancada, acusou PS e BE de "piscar o olho ao PCP", excluindo dos projetos o acesso à PMA por "homens sozinhos e os casais de homens".
Do lado do BE, PEV e PAN, salientou-se a necessidade de corrigir uma lei com nove anos. "É agora momento de, reconhecendo as limitações da lei, reconhecermos também a urgância de alterar essa mesma lei", defendeu o bloquista Moisés Ferreira. O deputado do partido "Pessoas, Animais e Natureza", André Silva, frisou que o desfasamento da legislação com a realidade leva a que só mulheres com posses económicas possam rumar ao estrangeiro para recorrer a técnicas de PMA.
À margem do debate, o presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), o juiz Eurico Reis, admitiu, ao JN, que dos vários projetos em causa que "o unico que aborda todos os temas relativos à PMA é o do Bloco de Esquerda" e que "vai ao encontro das propostas anteriores do conselho". "O destino a dar aos embriões, a inseminação pós-mortem" são algumas das questões que os bloquistas abordam, ao contrário dos outros.
Lei portuguesa restritiva
Na verdade, foi do Bloco de Esquerda o primeiro projeto sobre a matéria, em 2003, para tentar colmatar uma ausência legislativa, que o presidente da República Jorge Sampaio havia imposto, em 1999, com o veto a uma legislação inicial.
A atual lei, de 2006, começou com uma sugestão da Sociedade Portuguesa de Medicina Reprodutiva e acabou por resultar da comissão parlamentar criada para o efeito, presidida pela então deputada socialista Maria de Belém.
Neste momento, só as mulheres casadas, com diagnóstico de infertilidade e sob autorização dos maridos podem aceder a técnicas como a fertilização "in vitro", colocando Portugal num nível de restrição à PMA pouco visto na restante Europa.
Aliás, já em 2011, um Relatório de Saúde Reprodutiva, dava conta que Portugal tinha dos valores de fertilidade mais baixos, em comparação com os países onde a PMA não está proibida a mulheres solteiras, a casais de lésbicas ou a existência de "barrigas de substituição".