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Orecurso a água do mar para abastecer populações e regar culturas está publicamente fora de causa. Se algum investidor privado quiser entrar nessa aventura, o Governo não se opõe. Mas tanto o ministro do Ambiente, Nunes Correia, como o presidente da "holding" Águas de Portugal, Pedro Serra, colocam uma pedra sobre o assunto. "Está absolutamente fora de questão", enfatiza o gabinete governamental. Uma das razões para a rejeição reside nos custos incomportáveis da solução - útil apenas quando não há outras soluções.
"A dessalinização é sempre uma solução muito cara e deve ser usada em situações de carência, quando não há qualquer outra alternativa", sustenta o presidente da IGA - Investimentos e Gestão da Água, SA, que abastece a Região Autóma da Madeira e é a única entidade em Portugal que explora uma unidade de dessalinização (ver página seguinte).
Apanhados em nova e prolongada seca e alegadamente traídos pelos atrasos em investimentos no aproveitamento de reservas de águas na região algarvia, autarcas e gestores de água lançaram a ideia de que uma dessalinizadora poderia ser uma alternativa rápida, viável e estruturante. Além do exemplo que vem de Espanha, onde há mais de 900 unidades de várias dimensões e cresce a sua capacidade para vender centrais, o único caso nacional - a central de Porto Santo - parece ser estimulante.
Mas a crueza dos números e a experiência não deixam de ser uma advertência séria. Trata-se de uma solução disponível em zonas carenciadas e de risco (as Nações Unidas possuem unidades portáteis para dessalinizar água do mar ou salobra em zonas de desastres ou de conflito que afectam as infra-estruturas de captação), "mas não se pense que fica gratuita ou barata", acentua Adriano Bordalo e Sá, professor de Ecologia do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar e membro do Conselho Nacional da Água. Desde logo, por causa da electricidade que consome, justifica.
Na central da IGA, cada metro cúbico de água custa, à saída da unidade da dessalinizadora de Porto Santo, 90 cêntimos (incluindo custos de amortização). Deste valor, 38 cêntimos são devidos à factura de energia, por causa das pressões usadas na unidade (infografia e texto abaixo) - 64 bares (64 quilogramas por centímetro quadrado) no processo de osmose inversa e 58 bares (58 Kg/cm2) na rejeição final. Tais custos ficam muito acima dos associados a fontes "tradicionais". No caso da ilha da Madeira, onde a orografia complexa obriga a elevações superiores a mil metros a partir de furos, o custo energético é de 18 cêntimos (menos 53%).
É verdade, nota Pimenta de França, presidente da IGA, que com a pressão usada na rejeição da água não aproveitada se pode accionar uma turbina que produza energia (40% da máquina de Porto Santo é alimentada deste modo), mas nem isso torna rentável o processo. No caso da IGA, só a venda de água reciclada (efluente final do tratamento de esgotos) para rega permite recuperar alguns custos.
Por outro lado, a produtividade das unidades é problemática. Do caudal captado, apenas 35 a 40% são transformados em água potável. E não entram em linha de conta os custos com o tratamento prévio (pré-filtragem) da água bruta, porque as galerias de captação de Porto Santo no leito marinho foram estabelecidas em formações de calcarenito (muito pouco permeáveis, que asseguram a pré-filtragem natural).