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"Amadeo de Souza-CardozoDiálogos de Vanguarda" é o título da exposição (a maior até agora realizada sobre o pintor) que é inaugurada hoje, na Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), em Lisboa. Trata-se de uma ampla mostra de Amadeo Souza-Cardoso e que abre ao público, hoje, precisamente na data de nascimento do pintor e exactamente 100 anos depois da sua partida para Paris.
São mais de duas centenas e meia de obras, a grande maioria de Amadeo e 36 da autoria de artistas estrangeiros, nomeadamente de Pablo Picasso, Amadeo Modigliani, Sonia e Robert Delaunay, Marcel Duchamp,Albert Gleizes e Ivan Puni, Malevitch entre tantos outros, cujos trabalhos vieram, em grande parte de vários museus de todo o mundo e de muitas colecções particulares.
Considerado por muitos como um dos fundadores da arte europeia do século XX, Amadeo de Souza-Cardoso é, indiscutivelmente, um grande nome querido e reconhecido a nível mundial. A presente mostra, que vem sendo preparada ao longo de mais de um ano e meio e que é comissariada pela historiada de arte Helena de Freitas, vem reafirmar o valor e a qualidade das suas obras.
Diálogo com outros artistas
Abrangendo praticamente todo o período de actividade desenvolvida por Amadeo, (entre 1907-1918), "Diálogos de vanguarda"pretende, além de mostrar uma série de obras, muitas delas totalmente desconhecidas do público português, proporcionar um reencontro/diálogo entre a sua obra e a dos artistas estrangeiros seus contemporâneos já referidos. Dentro desse diálogo, o destaque irá também para as obras dos portugueses Eduardo Viana e Almada Negreiros e do espanhol Anglada Camarasa.
Mas todas as atenções racaem, naturalmente, na obra de Amadeo e, principalmente, em três quadros que vieram dos Estados Unidos e desses evidencia-se o que se poderá chamar "a menina bonita" ou a "jóia da coroa" da exposição, que é, nem mais nem menos ,"Avant la Corrida" ou "Before The Bullfigh ,(60x92 cm) de 1912 ,que até há bem pouco tempo se desconhecia o seu paradeiro há 93 anos. Depois de algumas pesquisas e de um anúncio na Internet colocado por Helena Freitas a pedir obras de Amadeo, ficou a saber-se que o quadro pertencia a um coleccionador americano que acabaria por contactar a Fundação Gulbenkian.
A instituição pôs-se no terreno e acabou por comprar o citado quadro, cujo montante não foi revelado. Entretanto, foi restaurado pela conservadora Carmem Almada e a partir de hoje poderá ser visto por todos quantos passarem pela Gulbenkian até ao dia 14 de Janeiro.
De salientar que «Avant la Corrida» foi um dos oito quadros expostos pelo artista no Armory Show (1913), em Nova Iorque, a primeira exposição de arte moderna nos EUA.
As outras duas obras, nunca até agora vistas em Portugal, são "Chateau Fort" (Fortaleza) e "Return from the chasse" (Regresso da caça) que também vieram dos EUA. No primeiro caso, especificamente o quadro "Fortaleza" foi doado pelo crítico Arthur Eddy ao Art Institute of Chicago, enquanto que "Regresso da caça" pertence ao Museu de Michigan.
Uma das particularidades da mostra é que permitirá a saída do "catálogo raisonné" do pintor, um trabalho que tem sido desenvovido ao longo dos últimos cinco anos por uma equipa coordenada por Helena de Freitas. A publicação sairá em três volumes em 2007, sendo o primeiro uma fotobiografia, que será lançada a 15 de Janeiro, e depois seguir-se-ão os volumes dedicados à pintura e ao desenho.
Coincidência de datas
"Amadeo de Souza-Cardoso- Diálogo de Vanguardas" surge, ou melhor coincide com a "época festiva" que assinala os 100 anos exactos decorridos sobre a partida de Amadeo de Souza-Cardoso para Paris e os 50 anos sobre a redescoberta e a apresentação historiográfica do artista em Portugal, por José-Augusto França.
A mostra será um excelente pretexto para se conhecer melhor a obra e um pouco da vida deste grande senhor da pintura que durante muitos anos foi votado ao esquecimento.
A exposição que será, antes de mais, um acto de justiça, estará aberta ao público a partir de amanhã e até 14 de Janeiro de 2007, de terça -feira a domingo entre as 10 e as 18 horas. Às sextas-feiras abrirá à noite, entre as 18 e as 24 horas.
Durão Barroso já visitou a exposição
O presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, qualificou ontem Amadeo de Souza-Cardoso como "um dos maiores ou o maior pintor português do século XX".
Barroso esteve presente na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, ao final da tarde para uma visita guiada por Helena de Freitas, a comissária da exposição. A visita durou pouco mais de uma hora e Barroso mostrou-se interessado em quase todas as obras, não hesitando em colocar os óculos quando se lhe ocorria apreciar detalhes.
No final, o presidente da Comissão Europeia apontou que Souza-Cardoso "representou a vanguarda" e foi, ao mesmo tempo, "muito ligado a Portugal e muito ligado à Europa". Na sua óptica, o artista "está a ser redescoberto agora no mundo" mas "parece que ainda não tem o reconhecimento que merece".
A exposição, que conta com o alto patrocínio da Comissão Europeia, "é extraordinária" e "vai dar um grande contributo para esse reconhecimento internacional de Amadeo de Souza-Cardoso". "Se ele tivesse sido francês ou norte-americano teria tido muito maior projecção", concluiu.
Entretanto, um dos jornalistas questionou Durão Barroso sobre outra obra de um outro artista o novo livro de Pedro Santana Lopes.
Todavia, o presidente da Comissão Europeia limitou-se a exibir um sorriso nervoso e a soltar a frase lacónica "Não estou muito bem a ver a ligação. Peço desculpa..."
De Amarante a Espinho
Amadeo Ferreira de Souza-Cardozo nasceu a 14 de Novembro, de 1887, em Manhufe, freguesia de Mancelos, concelho de Amarante. Tinha 12 irmãos e o seu pai era um abastado proprietário rural.
Em 1906 parte para Paris, juntamente com o seu amigo Francis Smith com a ideia de estudar arquitectura. Instala-se no Boulevard Montparnasse e acaba por desistir da arquitectura e dedicar-se ao desenho e à caricatura.
Mais tarde, precisamente em 1910, conhece Amadeo Modigliani, de quem se torna amigo e estabelece também relação de amizade com Sonia e Robert Delaunay, Juan Gris, Max Jacob e Otto Freundlich, entre outros. Nesse mesmo ano escreve ao seu tio Francisco Cardoso onde lhe dá conta do seu entusiasmo pela pintura dos primitivos, que aliás vem a manifestar-se na sua obra.
Em 1911 expõe seis obras no Salão dos Independentes, em Abril, e ,em Novembro, abre as portas do seu ateliê, na Rue di Colonel Combes, onde expõe em conjunto com o seu amigo Modigliani. Um ano mais tarde, publica o álbum "XX Dessins" e ilustra o manuscrito de "La légende", de Flaubert.
No ano de 1913 participa no "Armory show", em Nova Iorque, Chicago e Boston. Sete obras são adquiridas e três delas são doadas ao Art Institut de Chicago.
Em 1916 expõe no Porto, no Salão Jardim Passos Manuel e depois em Lisboa.
Morreu em Espinho, em 1918, vítima da "pneumónica" ou "gripe espanhola".