Madeleine/Um ano: Família McCann vai estar na comunicação social para o resto da vida deles
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** Bruno Manteigas, da Agência Lusa **
Londres, 02 Mai (Lusa) - Da empatia à desconfiança, vários jornalistas britânicos reconhecem que foram cometidos excessos na cobertura do desaparecimento de Madeleine McCann, mas negam que o interesse pela vida privada da família vai decrescer.
"O que fizemos a este casal não foi o nosso melhor momento como jornais", reconhece o ex-jornalista Roy Greenslade, em declarações à agência Lusa, passado um ano desde o desaparecimento da criança britânica, na altura com três anos, de um apartamento turístico na Praia da Luz, no Algarve.
Esther Addley, sub-editora do diário The Guardian, concorda que "não foi sempre edificante, nem admirável" o que foi escrito e dito no Reino Unido sobre o caso.
"Mas quando temos tantos jornalistas a tentar arrancar o mais pequeno pedaço de notícia, é nessa altura que se corre o risco de as coisas se descontrolarem", nota.
Apenas um dia depois do 03 de Maio de 2007, o assunto era abertura de todas as televisões e primeiras páginas de todos os jornais britânicos - para não falar dos portugueses, espanhóis e até de alemães ou japoneses - e a pequena localidade algarvia era invadida de jornalistas.
Parte do interesse gerado no público deveu-se, segundo Addley, ao facto de muitas pessoas se identificarem com a situação, o que levou os jornalistas a também mostrar empatia com o caso.
"É uma história que afecta muita gente porque é uma história de classe média, um pesadelo de ir para um complexo turístico calmo e o filho desaparecer", justifica.
Mas Greenslade, actualmente professor na Universidade City, em Londres, entende que a postura evoluiu, primeiro para uma fase do cepticismo, "que é a atitude certa para os jornalistas adoptarem, e depois para a desconfiança, quando eles foram tratados como suspeitos".
Na sua opinião, é esta posição que agora predomina, até porque os jornais reflectem as dúvidas e a reprovação dos leitores em relação aos McCann.
"A grande maioria das pessoas no Reino Unido pensa que eles não deviam ter deixado as suas crianças [sozinhas]", diz, citando os números de uma sondagem feita por Internet para o Sunday Times em Agosto de 2007, quando cerca de 70 por cento dos britânicos condenavam o casal por ter deixado os filhos sozinhos.
A tendência é comprovada pelo grande número de comentários hostis recebidos na página de Internet sobre o tema na Sky News, que, refere à Lusa o jornalista Martin Brunt, é superior às mensagens de incentivo.
Mas o correspondente em assuntos de Justiça do canal noticioso considera que a imprensa britânica continua, na generalidade, a apoiar os McCann, e que as críticas foram direccionadas contra a polícia portuguesa devido à ideia de se estar perante uma "investigação policial fraca".
"A dificuldade em saber com precisão o que é que a polícia está a fazer levou, em grande parte, às críticas da imprensa e à impressão de que a investigação não vai a lado nenhum", sustenta.
Um momento importante na mudança da forma como a cobertura do caso foi a acção iniciada pelos McCann contra o grupo Express, dos diários Daily Mirror e Daily Star, e que obrigou a um pedido de desculpas e ao pagamento de uma compensação financeira.
Ainda que o conteúdo difamatório fosse, alegadamente, retirado de notícias publicadas em Portugal, os jornais foram obrigados a admitir que não existem provas de que os pais estejam envolvidos no desaparecimento da filha, como chegaram a insinuar.
Esther Addley, que lê português, escandalizou-se muitas vezes com o que viu na imprensa portuguesa e espanta-se que os jornalistas portugueses não se preocupem com as consequências legais.
"Algumas coisas eram muito chocantes e pensei várias vezes que, ou as leis [em Portugal] são muito diferentes, ou se eu escrevesse o mesmo no Reino Unido estaria em sarilhos", assegura.
No país dos McCann, a ameaça de novos processos por difamação parece ter diminuído a saciedade de alguns tablóides por informação e o interesse entrou numa fase decrescente, que só ressurgiu com o primeiro aniversário, observa Brunt.
Por exemplo, a Sky News, que fez directos de Portugal nos meses seguintes ao desaparecimento e chegou a ter uma secção dedicada ao caso na página da Internet, não vai marcar o aniversário na Praia da Luz.
"Só estamos interessados em verdadeiros desenvolvimentos", vinca Brunt, prognosticando o "esvaziamento" da história.
Para marcar o aniversário, Kate e Gerry McCann desdobraram-se em entrevistas à comunicação social nacional e internacional nos dias anteriores para tentar relançar a campanha para encontrar a filha.
Mas, desde que foram constituídos arguidos no processo, em Setembro, que a notícia deixou de ser sobre Madeleine para passar a ser os seus pais.
"Os McCann vão estar sempre nas notícias até morrerem. Esta história foi demasiado grande para eles alguma vez serem esquecidos", diagnostica a sub-editora do Guardian.
Martin Brunt ainda acredita que o controlo sobre a sua imagem e privacidade depende deles, mas Greenslade não tem dúvidas de que os McCann já perderam essa capacidade e que tudo o que façam vai estar sob o olhar público através dos media.
"Eles são agora um casal celebrizado e todos os eventos da vida deles vão ser explorados pelos media, seja quando os gémeos forem para a escola ou por problemas domésticos", profetiza.
"Esta família vai estar nos media para o resto da vida deles", reforça.
BM
Lusa/fim