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Também na política existe o horror ao vazio. Nas cimeiras ibero-americanas, o que Hugo Chávez tem andado a fazer - com assinalável sucesso, aliás - é a ocupar o espaço mediático outrora dominado por Fidel Castro. As televisões adoram, a diplomacia entretém-se, e os negócios não se importam. Pelos vistos, só os monarcas se irritam.
Sem os "números" do presidente da Venezuela, como outrora sucedia com as aparições de Fidel, as cimeiras entre os países ibero-americanos seriam uma verdadeira xaropada. Chávez sabe disso perfeitamente e alicerça a sua estratégia, no plano internacional, do mesmo modo que o fez no plano interno com recurso prioritário às televisões. Porque ele precisa de falar com o povo. De preferência, em directo. Sem montagens de estúdio ou pós-produções. Sem a intermediação de jornalistas. Por isso é que se disponibilizou a falar abundantemente para as câmaras televisivas à sua chegada a Lisboa, apesar de estar duas horas atrasado para o encontro com José Sócrates. O primeiro-ministro português que esperasse. Não foi por cumprir horários nos encontros com os seus homólogos que Chávez chegou onde chegou.
O rei espanhol "passou-se". Por muito incómodo que lhe estivessem a provocar as atoardas de Chávez, um chefe de Estado não pode dirigir-se a outro chefe de Estado, naquelas específicas circunstâncias (a sessão pública de encerramento de uma cimeira internacional), dizendo-lhe para estar calado. A Monarquia não tem qualquer superioridade moral sobre a República. Mesmo que se trate de uma "República das Bananas".
O presidente da Venezuela encarna um estilo de liderança que é característico da América Latina desde tempos imemoriais, da Argentina de Péron ao Peru de Fujimori, passando pelo Brasil de Lula da Silva ou pela Bolívia de Evo Morales uma liderança assente numa prática populista que explora politicamente as fragilidades socioeconómicas do povo que representa. A única diferença é que uns dizem-se de Direita e outros de Esquerda: uns erguem o punho e põem a mão sobre o coração; outros só colocam a mão sobre o coração. E outros ainda ousam esticar o braço. Mesmo que o não estiquem.
No caso de Chávez, porém, há outras diferenças que devem ser assinaladas. Rústico na aparência, o presidente da Venezuela é mais estratega (e provavelmente mais inteligente) do que qualquer outro dos seus homólogos do Sul do Equador. Por isso é que se dá tão bem com Fidel Castro. Daí ter passado a ocupar o mesmo palco do decrépito comandante cubano com toda a naturalidade.
Desenganem-se aqueles que se apressam a catalogar Hugo Chávez como mais um ditador. Ele gosta de ir a votos e de explorar a legitimidade eleitoral conquistada recorrendo a todas as artimanhas disponíveis em qualquer regime democrático. O processo de revisão constitucional em curso é disso um exemplo cabal.
Existe um outro factor primordial na necessária distinção que deve operar-se entre Chávez e os seus homólogos das redondezas sul-americanas ele também é mais rico do que os demais. A Venezuela é uma das maiores potências petrolíferas do Mundo e Chávez fundamenta muita da sua frontalidade e desassombro diplomático em poços de petróleo. O que não é despiciendo.
A verdadeira razão do agastamento de Chávez com Espanha, que redundou no ataque violento ao antigo primeiro-ministro Aznar e na subsequente reacção estrondosa do rei Juan Carlos, fundamenta-se sobretudo em motivos de natureza económica. Ao contrário do que possa pensar-se, a Venezuela não tem merecido os amplos favores do investimento espanhol. Apesar da proeminência local da Repsol, dos bancos Santander e Bilbao Vizcaya e da Telefonica, a verdade é que do total do investimento de empresas espanholas na América Latina entre 1993 e 2006, apenas pouco mais de dois por cento foi parar à Venezuela.
"Por que não te calas?" - perguntou irritado o rei Juan Carlos ao presidente Hugo Chávez, abandonando de seguida a sessão de encerramento de mais uma cimeira ibero-americana. "Conseguimos a qualificação e o burro sou eu?" - perguntou, irritado, o treinador da selecção portuguesa de futebol, Luís Filipe Scolari, abandonando de seguida a conferência de Imprensa do Estádio do Dragão. Entre os dois episódios, as semelhanças são muitas, mas as diferenças muitas mais Scolari ainda não é rei. Além de ser completamente insuspeito de ter "sangue azul"?
Luís Costa escreve no JN, semanalmente, aos sábados