O Governo anunciou ter cumprido 100% de exigências da troika na área da Justiça. Mas basta ver as respostas do painel JN para se perceber que há uma diferença entre os anúncios do Governo e a realidade dos tribunais.
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O funcionário judicial Manuel Sousa aponta falhas informáticas ainda mais recorrentes nos últimos meses, a advogada Joana Pascoal diz que não vê andamento nos processos executivos, o ex-juiz do Tribunal de Contas, Carlos Moreno, acrescenta que no quotidiano não há alterações à vista e o ex-procurador adjunto, Alberto Pinto Nogueira, remata concluindo que, quem continua a determinar o ritmo das mudanças, é a ministra das Finanças (o Orçamento). Todos estão no terreno, ou com ligações muito próximas. Portanto, a questão é: porque está a ministra Paula Teixeira da Cruz tão '100%' satisfeita?
[perguntas]
[1] Os cortes das pensões de sobrevivência refletem uma correta interpretação das circunstâncias económicas do país - que a Constituição não pode garantir - ou uma injustificável violação do princípio da confiança?
[2] O Ministério da Justiça considera ter cumprido todas as mudanças exigidas da troika. Há alguma alteração qualitativa evidente no quotidiano dos portugueses?
[respostas]
Manuel Sousa, pres. da Delegação do Porto do Sindicato dos Funcionários Judiciais
[1] Em causa está a violação de um principio que deveria ser inviolável, pois falamos de uma contraprestação que decorre de uma prestação original do contribuinte falecido. E temo que, a forma como foi desenhada pelo governo (acima de 2 mil euros), vise granjear o apoio da opinião pública e do próprio TC e, uma vez violado o principio, aplicar esse corte de uma forma mais alargada.
[2] Nenhuma. Há até sinais contrários como o que decorre da utilização das aplicações informáticas. Caso paradigmático é a virtualização dos servidores nos tribunais que, além de aumentar a lentidão, gera falhas recorrentes e diminui a segurança. No caso do SITAF, usado nos tribunais administrativos, leva a que haja tribunais parados dias inteiros devida as falhas constantes do sistema informático.
Agostinho Guedes, professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica (Porto)
[1] Se se levar o princípio da confiança até às últimas consequências nunca teremos cortes na despesa pública ao nível das suas principais componentes. Porém, mais do que cortes avulsos, penso que se deveria redefinir todo o sistema de pensões (eliminando algumas e alterando outras) para se chegar a um sistema coerente, justo e sustentável, tendo por referência os montantes descontados pelos beneficiários.
[2] Não. Creio que as alterações só se sentirão no médio e longo prazo.
Alberto Pinto Nogueira, Procurador-geral adjunto
[1] A lengalenga do governo sobre os cortes já incomoda. Bem podiam ir buscar o dinheiro aos amigos dos bancos, swaps e parcerias. Preferem infernizar o povo e deixar em paz os responsáveis pela crise.
[2] O Ministério da Justiça não conta. Quem manda é quem manda na Sr.ª D.ª Maria Luís. A nossa querida troika. O Ministério da Justiça é um oásis. Está tudo como estava.
Carlos Moreno, Juiz jubilado do Tribunal de Contas e professor de Finanças Públicas
[1] Os cortes nas pensões de sobrevivência violam, no mínimo, o princípio universal da confiança. E no caso de derivarem de uma carreira contributiva subvertem o sistema contributivo da SS em assistencial, cabendo ao estado determinar arbitrariamente o que cada sobrevivente dos falecidos deve receber, sem qualquer ligação aos descontos feitos.
[2] Ninguém nota no quotidiano qualquer alteração no estado da Justiça. A continuar, será mais um empecilho ao investimento estrangeiro.
Joana Pascoal, advogada e atual presidente da Associação Jovens Advogados
[1] Não se trata de oposição entre a economia e o princípio da confiança. As opções políticas estão balizadas pela legalidade. Concorde-se ou não com o Estado Social estabelecido pela Constituição há que respeitá-lo.
[2] Não. Processos executivos que patrocino continuam parados, numa comarca piloto onde já foi implementado o novo mapa judiciário e sem que a entrada em vigor do novo código de processo civil tenha provocado qualquer melhoria. As reformas demoram a produzir efeitos...
Luísa Neto, jurista e professora associada da Fac. Direito da Universidade do Porto
[1] A designação 'pensões de sobrevivência' pode enganar. Ao invés de outras pensões com substracto contributivo, o respectivo corte pode não afectar o princípio da protecção da confiança legítima desde que não atinja o mínimo de existência condigna protegido pela Constituição e pelo TC.
[2] Importa aferir as condições de conhecimento da(s) nova(s) lei(s) pelos agentes judiciários e as condições - até de alocação de recursos - da respectiva aplicação.
Maria Manuela Silva, diretora do Departamento de Direito da Universidade Portucalense
[1] É imperioso efetuar cortes na despesa do Estado. Estes, nas pensões de sobrevivência, poderão não ser os mais adequados do ponto de vista constitucional, mas num Estado de Direito cabe ao Tribunal Constitucional efetuar a verificação da constitucionalidade da medida.
[2] As mudanças ainda não se tornaram evidentes no quotidiano. Desenvolveram-se ao longo deste período medidas reformadoras, que poderão ter resultados práticos interessantes, mas ainda não visíveis.