Quando há uma quase unanimidade sobre um ponto, torna-se curioso observar porque discorda a pessoa que quebra essa unanimidade, quais os argumentos. É o que acontece nesta edição - Agostinho Guedes discorda dos restantes membros do painel.
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A maioria defende o Tribunal Constitucional (TC) porque "tem sido o único órgão de soberania a exercer as funções constitucionais com competência, saber, independência e isenção" - em síntese, nas palavras de Alberto Nogueira. Agostinho Guedes diz claramente outra coisa: "O TC está a fazer política". "O que o TC tem feito é ele próprio interpretar esse princípios, substituindo-se ao Governo e ao Parlamento e ultrapassando as normas escritas da Constituição", diz o jurista da Católica. A questão essencial é esta: a separação de poderes mantém-se? Ou o TC é a oposição?
[perguntas]
[1] A Bastonária da Ordem dos Advogados considera que o novo mapa judiciário vai privilegiar 21 tribunais e "reduzir tudo o resto a cinzas". Concorda?
[2] O Tribunal Constitucional continua a desempenhar de forma correta a função para que foi criado?
[respostas]
Agostinho Guedes, professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto
[1] Não. A Bastonária gostava que tudo ficasse na mesma. É o costume.
[2] Não. O TC está a fazer política. Fazer leis é uma tarefa política que cabe ao Governo e ao Parlamento, interpretando os princípios jurídicos fundamentais; o TC deve assegurar que essa interpretação respeita os limites traçados na Constituição, mas o que o TC tem feito é ele próprio interpretar esse princípios, substituindo-se ao Governo e ao Parlamento e ultrapassando as normas escritas da Constituição.
Alberto Pinto Nogueira, procurador-geral adjunto
[1] O novo mapa judiciário é uma boa reforma. Necessita precisões, aqui e ali. A Bastonária exagera. Em Portugal não há reformas que se possam fazer. Estas não se dirigem a corporações, mas ao país.
[2] O Tribunal Constitucional tem sido o único órgão de soberania a exercer as funções constitucionais com competência, saber, independência e isenção. Não é um assessor do Governo como este pensa, nem prolongamento da coligação que governa o país.
Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas e professor de finanças públicas
[1] O mapa judiciário devia respeitar dois únicos critérios: servir as populações mais fracas, desprotegidas e carenciadas e dar impulsos fortes de vida ao interior. É só isso que justifica o Estado e os nossos impostos.
[2] O TC interpreta e aplica a CRP como todos os tribunais e juízes o devem fazer - com total independência, segundo a sua leitura das leis e de acordo com a sua consciência. O TC tem sido factor de coesão social, ajudado a economia e ganho o respeito dos portugueses.
Joana Pascoal, advogada e atual presidente da Associação Jovens Advogados
[1] Não concordo, de todo. É um raciocínio simplista, próprio de quem procura jargões mediáticos. Há que tornar os nossos tribunais mais céleres e mais eficientes e a especialização das magistraturas é um meio. O que não significa fechar tribunais só para reduzir custos. Há que racionalizar esses custos e investir no que efectivamente tornará a nossa justiça melhor: meios mais eficientes e processos mais justos.
[2] Sim, se os acórdãos forem isentos e com respeito pela normatividade constitucional vigente. Rejeito a judicialização da política, acredito no princípio da separação de poderes. Os juízes julgam, os políticos governam e sujeitam-se às consequências das suas decisões. Quando na oposição, devem travar as suas lutas na arena política e não escudar-se atrás de tribunais.
Luísa Neto, jurista e professora associada da faculdade de Direito da Universidade do Porto
[1] Não se alcança a ratio da afirmação.
[2] Ao Tribunal Constitucional é devido o respeito institucional de qualquer dos titulares de cargos políticos. Eventuais discordâncias técnicas em relação ao modelo de fiscalização não podem ser utilizadas de modo infeliz como forma grave de pressão conjuntural. E a discordância política em relação às decisões proferidas não pode, de modo algum, verter-se em acusações absolutamente injustificadas num Estado de Direito Democrático.
Manuel Sousa, presidente da delegação do Porto do Sindicato dos Funcionários Judiciais
[1] O novo Mapa Judiciário concentra os Tribunais nas capitais de distrito e em mais meia dúzia de concelhos de maior densidade populacional, prejudicando, ainda mais, o interior do país. É uma forma de se baixar as pendências processuais, afastando cada vez mais o cidadão da Justiça.
[2] Em termos gerais cumpre o fim que a própria Constituição lhe destinou. O que não é admissível é que outros "órgãos do poder" diminuam o TC apenas quando as decisões não lhe agradam.
Maria Manuela Silva, diretora do departamento de direito da universidade portucalense
[1] Conduzirá a uma redução de tribunais e redistribuição de processos, e os recursos humanos disponíveis podem não conseguir abarcar. O direito de acesso à justiça tem de ser devidamente respeitado.
[2] O TC tem respeitado a tarefa fiscalizadora que lhe cabe. As mais recentes decisões têm dado lugar a críticas, mas o respeito pela Constituição e a harmonia entre interesse público, interesse dos cidadãos e o respeito pelos direitos fundamentais destes é de considerável importância.