Ao fim de quase quatro meses após a entrada em vigor do Orçamento de Estado de 2014, o Tribunal Constitucional continua sem levantar o véu sobre a inconstitucionalidade de algumas medidas, repetindo o mesmo drama dos anos anteriores.
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Ou seja, numa altura em que (tal como em 2013) Portugal tem algum 'equilíbrio' orçamental - com repercussões positivas nas taxas de juro - surgirá o terramoto constitucional. Esta situação é surrealista e simbólica. Em nenhum sector - Saúde, Economia, Defesa - uma situação urgentíssima seria tratada ao nível do abstracto como fazem os doutos juízes do tribunal Constitucional. A Justiça volta a dar um péssimo exemplo à sociedade portuguesa por mais (in)compreensíveis que sejam as razões. Todos pagaremos uma vez mais uma decisão (seja ela qual for) tomada fora de um tempo útil.
[perguntas]
[1] O Tribunal Constitucional ainda não pronunciou sobre o Orçamento de Estado que entrou em vigor a 1 de Janeiro. Este compasso de espera é inevitável?
[2] O novo Código de Processo Civil facilitou penhoras sem a intervenção de juízes e já foram realizadas mais de 50 mil nos últimos 6 meses. Concorda com o novo sistema?
[respostas]
Alberto Pinto Nogueira, procurador-geral adjunto
[1] O Tribunal Constitucional não tem um prazo deter-minado para decidir no caso da fiscalização abstracta. Portanto, está dentro da lei e isso é que releva. O que não quer dizer que as matérias não exigissem mais celeri-dade. Pelos vistos vai resolver após a saída da troyka.
[2] No caso das penhoras sem intervenção judicial, é mais célere e eficaz. E a salvaguarda dos direitos dos executados ? Parece que estamos num sítio onde os direitos não contam. Como nestas hipóteses.
Agostinho Guedes, professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto
[1] Não me parece que a demora seja intencional e acredito que não possa ser evitada. É necessário ter em conta que existem processos urgentes que têm prioridade sobre este processo.
[2] Concordo. A lei assegura a intervenção do juiz quando esta se justifica e regula com detalhe o modo como deve ser feita a penhora. Tudo isto não elimina o risco de serem cometidos erros, mas esse é um risco presente em todas as atividades humanas, e o sistema antigo também não evitava erros.
Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas e professor de Finanças Públicas
[1] É judicialmente aceitável que o TC ainda não tenha decidido sobre o OE72014,pois só foi requerida fiscalização sucessiva - em caso de fiscalização preventiva a decisão teria ocorrido no inicio de Janeiro. Esta delonga é socialmente insuportável, porém sem culpas para o TC.
[2] Discordo em absoluto do novo sistema de penhoras.
Luísa Neto, jurista e professora associada da Fac. Direito da Universidade do Porto
[1] A complexidade dos juízos de ponderação reclamados da intervenção do Tribunal Constitucional nesta matéria e os prazos previstos na Lei do Tribunal Constitucional justificam o tempo da análise. Refira-se ainda que anterior Acórdão paralelo (OE2012) foi prolatado também apenas em finais de Abril. Questão diferente é a de saber se teria sido politicamente preferível a opção pela fiscalização preventiva, ainda que com prazos (demasiadamente) curtos.
[2] As alterações essenciais não diminuiram e representam óbvia valia para a melhoria tráfego jurídico. O acesso às contas bancárias está facilitado, ainda que a plataforma informática só tenha ficado disponível a partir de Outubro. À vantagem da celeridade soma-se ainda a do menor custo para o credor.
Manuel Sousa, presidente da delegação do Porto do Sindicato dos Funcionários Judiciais
[1] Esta demora é de todo sem justificação. Basta ver que no âmbito da fiscalização prévia os juízes do Constitu-cional cumprem os prazos. Importa questionar a razão de tamanha demora.
[2] A desjudicialização excessiva acarreta muitos perigos, principalmente para os cidadãos mais vulneráveis. Existem penhoras ilegais, por exemplo, a desempregados. Por outro lado o problema das execuções é quando não há nada a penhorar via bancos ou entidades patronais. Aí os problemas subsistem.
Maria Manuela Silva, diretora do Departamento de Direito da Universidade Portucalense
[1] Inevitável não é, no entanto dada a complexidade da questão é provável que não seja possível decidir de forma mais célere. Contudo se a fiscalização foi suscitada, deverá o Tribunal decidir tão breve quanto possível.
[2] O novo sistema tem vantagens e desvantagens, no entanto permite agilizar este tipo de processos, e se a morosidade era um problema, poderá ser uma forma de resolver o mesmo. No entanto não se deve descurar os direitos dos executados.
Joana Pascoal, advogada e atual presidente da Associação Jovens Advogados
[1] Apesar da extensão e importância do documento e da profundidade das matérias, não é comportável esta de-mora. As implicações práticas de tal espera são inaceitáveis.
[2] Concordo com ratio que julgo ser o combate à pendência, ou melhor, à paralisação das execuções. Porém, quando é necessária a intervenção de um juiz essa rapidez não se verifica. E piorará com a implementação do novo mapa judiciário. A meu ver, as duas reformas deveriam ter sido implementadas pela ordem inversa.