Luís Braga da Cruz recorda o dia em que Eduardo Lourenço participou numa conferência em Serralves sobre "O Sentido do fim ou um fim consentido?".
Corpo do artigo
Em 2013/2014, Paulo Cunha e Silva organizou um ciclo de conferências, em Serralves, sob o titulo provocador - "O estado das coisas, as coisas do Estado". Eduardo Lourenço foi convidado a participar na última sessão, cujo tema, no melhor estilo do Paulo, era também uma variação enigmática - "O Sentido do fim ou um fim consentido?".
Eduardo Lourenço chegou sobre a hora. Quando subi com ele no elevador, perguntou-me com sincera inocência: "Então, diga-me lá o que é que eu tenho que fazer?". Limitei-me a mostrar-lhe o programa que tinha no bolso. Leu com atenção e disse: "Muito bem...".
Passado uns minutos, fazia a mais lúcida e brilhante intervenção que algum vez ouvi. Sem uma hesitação, sem um papel de apoio, o discurso fluiu com naturalidade e um nexo impressionante, em apenas 30 minutos.
Maria João Seixas, como moderadora, recordara que o tema era sobre o sentido do fim que cada um de nós carrega consigo e Eduardo Lourenço compreendera-o bem. Hoje, no dia em que nos deixa, tento resumir o que retive há seis anos sobre o seu sentido do fim.
Falou sobre o nosso destino como país, do recorrente debate do sentido da nossa aventura como nação e da nossa histórica. Considerou que o momento que então vivíamos poderia ser muito depressivo, mas não tão crítico como já fora em tempos passados.
A crise de Portugal inscreve-se numa crise mais genérica do mundo ocidental, de uma Europa que sempre esteve em questão enquanto realidade histórico-cultural, por ser mais uma coleção de nações que se guerreavam do que uma entidade política.
Quando, depois da adesão, pensávamos que deixaríamos de ser os proletários da Europa, eis que nos encontramos de novo em situação crítica...
Mesmo que nos parecesse o fim de um ciclo, dizia, perante limitações à nossa soberania, continuamos a sentir ser donos da nossa própria casa, pelo que temos de estar à altura da história deste pequeno povo que somos. Discutir o fim parecerá apocalíptico em si mesmo, mas é uma leitura que nós próprios, como seres temporários, fazemos. O fim é maior absoluto que temos tanto como existência humana como individualidade colectiva.
Eduardo Lourenço terminava de forma exemplar. A actualidade explica-se através do nosso passado, embora hoje tenhamos dificuldade de ler o que nos está a acontecer. Mas, o que é maravilhoso é que somos nós que temos de definir o sentido que queremos dar ao nosso próprio destino, quer individual quer colectivo.
O sentido de Portugal enquanto nação está assegurado. O que nos está a acontecer resulta da passagem de uma ideia de mudança a um estado de metamorfose.
Estamos mudando, mas para que espécie de mundo? Ninguém sabe, mas até é melhor não sabermos, porque assim podemos ser os responsáveis por esse futuro, tarefa de que não podemos abdicar, até porque se abdicássemos dela, "morríamos antes de morrer".