Poemas que apontam para o infinito, vozes em busca de uma redenção impossível, sons que rejeitam qualquer tipo de ordem pré-estabelecida. Bem vindos ao território da utopia, onde a única regra é a recusa do conformismo.
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Num mapa imaginário da felicidade, a poesia, assuma ou não uma forma poética, estará sempre presente. Para que possamos virar costas à realidade, "hipótese repugnante", como escreveu Manuel António Pina, convoquemos, antes de mais, a vida em toda a sua extensão.
Foi esse o exercício a que se propôs Lisete Ferrás no seu livro livro de estreia, "Um terço é poesia, os outros dois rebeldia" (Poesia Fã Clube).
A convicção de que é preciso aceder a uma nova ordem das coisas atravessa todo o livro e está exemplarmente definida no prefácio:
"Não sei explicar a razão, mas sei que o mundo não serve aos poetas. Li algures que os oceanos não cabem em represas, e nisso creio com todas as minhas certezas. Escrever é sobre tentar guardar em qualquer lugar o que escorre entre os dedos; sejam sonhos ou medos. È como rezar. Eis aqui os meus credos"
Tendemos a colocar a utopia no plano das ideias, em oposição à matéria e ao quotidiano. Mas terá mesmo que ser assim? Por muitos exemplos que a História nos forneça, continuamos a duvidar da profecia sebastianista (de Sebastião da Gama, bem entendido) segundo a qual "pelo sonho é que vamos".
Editado há poucos dias pela sempre pertinente Parsifal, "Pensar a utopia, transformar a realidade", do investigador João Carlos Louçã, é um interessantíssimo manual repleto de "práticas concretas", segundo anuncia o subtítulo.
Como sublinha Paula Godinho no prefácio, Louçã traz-nos o desafio de "pensar além da contingência", ensinando-nos "o papel do inacontecível e do irrealizável". E a verdade é que, por maior que seja a tentação para "nos resignarmos à miséria do real", de que falava Sousa Dias, basta olharmos em volta para nos determos em fecundos exemplos de como das ideias impossíveis nascem por vezes projetos bem reais.
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Poucos pensadores foram capazes de sublinhar de forma tão evidente a importância da utopia como Zygmunt Bauman. Criador do conceito de "modernidade líquida", o sociólogo polaco, falecido há quatro anos, sempre defendeu que para o renascimento da utopia é indispensável confiar no potencial humano.
A afirmação de uma outra realidade, alternativa ao modelo atual, pontuou as suas intervenções, fortemente moldada pela experiência de ter vivido sob ocupação nazi durante parte da juventude e, mais tarde, pela tentativa de construção do socialismo no seu país natal.
Nada substitui, como é óbvio, a leitura dos seus ensaios, mas, quem desejar uma rápida aproximação ao seu pensamento, encontra amplos motivos de interesse nesta entrevista sobre as fronteiras do pensamento.
A dialética utopia/distopia tem sido uma inesgotável fonte de criação para a arte contemporânea.
A propósito dos 500 anos da publicação de "Utopia"; de Thomas Moore, o MAAT, em Lisboa, organizou, em 2017, uma ambiciosa exposição que contou com o contributo de meia centena de artistas, incluindo os portugueses Miguel Palma, André Romão e Ângela Ferreira.
Apesar de a mostra já não poder ser visitada in loco, existem amplos registos na internet, tanto visuais como textuais, que testemunham a multiplicidade de abordagens que o tema tem vindo a suscitar desde, pelo menos, o início da década de 1970.
Duas grandes correntes prevalecem: a de que a tecnologia gera uma conetividade sem paralelo entre os seres humanos, esbatendo barreiras ou diferenças, e uma outra, menos entusiástica, de que nos tornámos reféns de instrumentos que supostamente nos deviam libertar.
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A dimensão furiosa das palavras é assumida sem rebuço por António Pedro Ribeiro. Poeta, performer e agitador nato, o vocalista dos Sereias é autor de mais de uma dezena e meia de livros de poesia nos quais a crença na utopia só é igualada pela determinação em contribuir para a construção de uma sociedade menos monetarista e mais fraterna.
Guiado pela ação de Nietzsche, Jim Morrison ou Bakunine, Ribeiro rejeita as convenções tidas como aceites e apela a uma insubmissão capaz de apear as personagens costumeiras do poder, como acontece no tema "Primeiro-ministro":