O primeiro musical de jazz no país, dedicado a Luís Villas-Boas, está esta sexta-feira em cena no CCB. Há também um documentário, um livro e uma exposição para descobrir.
Corpo do artigo
Quando surgiu em Portugal, nos “loucos anos 20”, dividiu a sociedade: visto por uns como música de “baile”, o lado mais religioso do país considerava-o inaceitável, os intelectuais e modernistas renderam-se aos seus sons vibrantes, diferentes, que viajavam sem aparentes regras ou limites.
O jazz é liberdade, diálogo e inclusão e faz cem anos em Portugal – assinalados a partir da data em que por cá atuou o primeiro grupo internacional, a “Pan-American Ragtime Band”. No mesmo ano, em 1924, nascia Luís Villas-Boas, consensualmente considerado o “pai” do jazz nacional.
Por iniciativa da Égide (Associação Portuguesa das Artes) e do Hot Clube de Portugal, o Centro Cultural de Belém em Lisboa recebe esta sexta-feira, 9 de fevereiro, uma série de eventos que pretendem precisamente homenagear o jazz em Portugal: a sua história, o seu ritmo e o seu percursor, o fundador do Hot Clube, Villas-Boas.
Tudo isto é jazz
O ponto alto das celebrações é “Tudo isto é jazz!”, o primeiro musical português do género, avança a organização ao JN. Trata-se de uma ideia original de João Moreira dos Santos, com encenação de Carlos Antunes, guião de Fernando Villas-Boas e cenografia de Blue.
O ator João Lagarto assume o papel de Villas-Boas (1924–1999), dando a conhecer o percurso e o legado do homem que não só fundou um dos clubes de jazz mais antigos da Europa, como também criou o Cascais Jazz, que trouxe a Portugal alguns dos maiores nomes do género, de Miles Davis a Duke Ellington.
No espetáculo, vemos como o legado de Villas-Boas ultrapassa em muito o musical: ao impulsionar o desenvolvimento deste estilo, contribuiu também para a liberdade num país que, também por intermédio do jazz, procurava a emancipação, como explica ao JN o atual diretor do Hot Clube, Pedro Moreira. “Ele conseguiu nos anos 40, num ambiente que não era favorável, nomeadamente por causa da censura, da ditadura, da ideia que a música americana que entrava era subversiva, conseguiu ainda assim criar aquele clube”, adianta Moreira.
Na altura, Villas-Boas tinha apenas “vinte e poucos anos”, adianta. A história da vida dele cruza-se muito, por isso, com a história, não só do Hot Clube, como do próprio jazz em Portugal: “até porque durante muitos anos, o epicentro da atividade do jazz, por cá, foi o Hot Clube”, acrescenta Moreira.
Ao início, o jazz era praticamente todo importado, “havia poucos praticantes”. Hoje em dia, “já não é assim”. Em resumo, “há um cruzamento da vida dele, não só jazzística, com história do Hot Clube e até do país”.
Três gerações
Coincidentemente, Luís Villas-Boas nasceu no mesmo ano em que se apresentava no Teatro da Trindade o grupo “Pan-American Ragtime Band”, que ficou na história do jazz português por ter sido o primeiro grupo internacional de jazz a atuar no nosso país – e que será igualmente homenageado no “Tudo isto é jazz!”.
Em palco, vão encontrar-se três gerações de músicos da Orquestra do Hot Clube de Portugal, dirigida por Pedro Moreira, à qual se juntam as cantoras Maria João, Rita Maria e Sofia Hoffmann, e os músicos Ricardo Toscano (saxofone), Laurent Filipe (trompete), Rão Kyao (flauta), Zé Eduardo (contrabaixo), Gonçalo Sousa (harmónica). Estão ainda Jorge Costa Pinto (maestro) e António José de Barros Veloso (piano), ambos nonagenários.
Fernando Villas-Boas, primo afastado de Luís e autor do guião do musical, explica ao JN como “foi fascinante abraçar este projeto”. “Foi muito impressionante, para nós, que fomos convidados a fazer este trabalho, perceber sobretudo a sua motivação para a liberdade cívica”, frisa.
“Sempre me espantou o seu carácter direto”, acrescenta. “Era uma pessoa que conseguia ter uma comunicação desarmante, que não enfeitava nada a sua expressão, uma coisa pouco portuguesa, sobretudo na altura” diz ainda. O mais marcante é, porém “que ele nunca distinguiu a liberdade de expressão, tanto cívica como artística. É isto a grande condição de Villas-Boas: é a sua liberdade, a liberdade criativa. E o jazz acima de tudo, o amor da vida dele, porque para ele, era a música que dava mais liberdade”.
No espetáculo, o público pode descobrir como nasceu este amor: quase “por acidente”, explica o seu parente afastado. “Foi ainda na Madeira, em criança”. Luís tinha ido para a ilha com o pai, ali colocado na base militar. O jovem tocava piano, mas começou a “ficar enfastiado”, com o lado mais clássico e disciplinado da música. Por acidente e por oferta dos grupos que de vez enquanto tocavam na ilha, foi bebendo de diferentes sonoridades, logo depois fascinado por uma música que, ao início, “era considerada de baile”.
É também dado destaque ao sonho de Villas-Boas no campo do ensino das artes, e em criar uma escola; um sonho que cumpriu, porém com um legado que não foi necessariamente cumprido na totalidade: “nós não temos ainda um verdadeiro ensino integrado universal de expressão artística, que era um dos grandes sonhos da vida dele”, frisa Fernando Villas-Boas.
“Tudo Isto é Jazz!”, o primeiro musical português dedicado ao jazz, vai estar em cena no CCB, no mesmo dia em que ali inaugura a exposição “Cem anos de Jazz em Portugal”, do artista plástico XicoFran (pelas 17.15 horas). É também apresentado o documentário “Luís Villas-Boas: a Última Viagem”, de Laurent Filipe (18h40 ) e o livro “Luís Villas-Boas, o pai do Jazz em Portugal”, de João Moreira dos Santos (19.40 horas).
O Sexteto Syncopators dará um espetáculo inédito (18.30 horas), recriando a música do primeiro grupo de jazz norte-americano a tocar em Portugal, em 1924.
A entrada para estas atividades é gratuita mediante inscrição. Para o espetáculo “Tudo Isto é Jazz!”, os bilhetes começam nos 20€.