Miguel Gonçalves Mendes filmou "O labirinto da saudade", um documentário sobre o pensamento do filósofo beirão
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Há 20 anos, Spike Jonze realizou "Quem quer ser John Malkovich?" ("Being John Malkovich no original"), filme de comédia e fantasia que se desenrola no interior da mente do célebre ator norte-americano. A premissa de "O labirinto da saudade", documentário de Miguel Gonçalves Mendes sobre a obra de Eduardo Lourenço, não é assim tão diferente, embora naturalmente adaptada à figura do pensador mor da portugalidade.
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Verdadeiro passeio pela mente brilhante de Lourenço, "O labirinto da saudade" é também feito de encontros com figuras do presente, de Álvaro Siza e Gonçalo M. Tavares a Diogo Dória, Gregório Duvivier e Lídia Jorge, as quais, ao longo do filme, o vão interrogando sobre a portugalidade, a morte ou as origens do seu percurso.
Depois de entrar no universo de José Saramago ("José e Pilar") e de Mário Cesariny ("Autografia"), Mendes levou por diante "um filme melancólico, mas otimista" em que a confrontação com os traumas do passado não exclui uma tentativa de "repensar o que Portugal quer ser agora".
Novidade no documentário foi o facto de o seu autor não se ter limitado a recolher os depoimentos do costume, mas de ter procurado seguir uma lógica narrativa própria, em que Eduardo Lourenço se representa a si próprio, por exemplo, e vemos Lídia Jorge a representar o papel de telefonista ou Siza enquanto barman. Ou ainda António Ramalho Eanes e Jorge Sampaio a jogarem xadrez placidamente num tabuleiro com a exata forma do país.
Imaginativo, Miguel Gonçalves Mendes - que ainda aguarda financiamento para concluir o seu projeto "O sentido da vida" - levou à letra o título de um documentário que partiu da obra maior de Lourenço, conduzindo o espetador por uma série de corredores em que os caminhos se bifurcam com frequência, gerando cruzamentos improváveis.
Celebração da vida do pensador, o filme, estreado no dia em que completou 95 anos, é ainda, segundo o realizador, a síntese de "uma nação condenada desde a sua origem a esgotar-se em sonhos maiores do que ela própria".
O desembaraço do filósofo perante as câmaras é uma das principais surpresas com que o espectador se vai deparando ao longo de um documentário que seria galardoado nos Prémios Sophia.