Agathe Riedinger estreia-se na longa-metragem com “Diamante Bruto”.
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Liane, de 19 anos, vive com a mãe e a irmã numa pequena localidade do sul de França. Obcecada por ideais de beleza e de sucesso, decide candidatar-se a concorrente de um novo reality show. É esta a história de “Diamante Bruto”, com que Agathe Riedinger se estreia na longa-metragem, explorando o mesmo tema de uma das suas curtas, “J’Attends Jupiter”. O filme é protagonizado pela praticamente estreante Malou Khebizi e chega agora às nossas salas. Em Cannes, onde estreou mundialmente e concorreu à Palma de Ouro, estivemos a conversar com a realizadora.
Desde quando é que pensou adaptar uma das suas curtas a uma longa-metragem?
Quando fiz a curta já tinha esse desejo. Mas também era muito importante para mim que a longa fosse diferente, que fossem dois objetos pictóricos e cinematográficos diferentes. A ligação entre os dois é apenas o nome da heroína e o mundo dos reality shows.
Normalmente há um olhar negativo sobre personagens que forçam a sua feminilidade para ter sucesso. Mas consegue que tenhamos empatia com ela.
A Liane é uma personagem que reúne todos os arquétipos do desprezo social. Sempre senti grande empatia pela representação masculina e feminina que sofre desse desprezo. Isso sempre me preocupou e desejava muito abordar esse tema. Quis que o espetador compreendesse o que está por detrás. A razão para esta jovem se atirar para uma hiper feminilidade. O que diz sobre a sua vulnerabilidade, o desejo de se impor na sociedade. O objetivo dela é convocar o olhar do outro, para que se sinta visível e poderosa.
O tema é bastante atual, face a todas as pressões sociais para o sucesso.
A beleza tem sido uma arma das mulheres, desde o dealbar dos tempos. É-nos dito que é preciso ser bela para ter sucesso, que a beleza é uma das raras armas que as mulheres têm para se imporem e serem valorizadas. Ela compreendeu isso e utiliza-o como uma arma. Não sei como é no seu país, mas em França dizem que é preciso sofrer para ser bela, crescemos com essa frase, o que é absurdo.
Como é que encontrou a sua protagonista?
Era importante que a Liane fosse interpretada por uma jovem que não tivesse qualquer experiência no cinema, para ser coerente com o tema do filme, como é a história de uma jovem que não se sente ninguém e que não é ninguém, aos olhos da sociedade. Não queria confiar o papel a uma atriz que já conhecesse os códigos da profissão. Queria que fosse alguém que chegasse com a sua própria verdade e com a sua pulsão.
Como é que apareceu então a Malou Khebizi?
Para ser coerente também com a geografia do filme e a sua fabricação era importante que fosse alguém que vivesse no sul, que pertencesse a esse território. Fizemos um casting selvagem durante oito meses até a encontrar. E descobri uma rapariga simples, nem tinha Instagram.
Em França há muitos reality shows para os mais jovens, que impacto têm nos adolescentes?
A influência sobre os jovens é enorme. Sentimos isso nas redes sociais, os candidatos andam todos lá. As redes sociais são o maior reality show do mundo. É muito fácil verificar o impacto que têm nos jovens. Ocupam um espaço absurdo nos mais pequenos, nas crianças, como nos adultos. Mas também sofrem de um grande desprezo de classe.
Em que sentido?
Nenhum intelectual burguês parisiense admitirá que vê um desses programas. Mas também conhecem os candidatos, porque os veem nas redes sociais. São emitidos nas principais cadeias de televisão. Os concorrentes são verdadeiros ídolos. Foi isso que me fez falar deste tema. É algo que gera enormes paixões e um grande ódio também..
São ídolos, mas desaparecem rapidamente…
Nem sempre é assim. Depende dos concorrentes, do que querem fazer na vida. Para muitos, os reality shows fazem parte de um plano de carreira. Há muitos ícones dos reality shows que são conhecidos há anos. Mostram as suas vidas privadas nas redes sociais, casam-se, têm filhos, divorciam-se. Têm um estatuto muito particular. Muitos continuam a ter uma influência muito grande e uma responsabilidade muito importante.
Responsabilidade, de que forma?
Tornam-se influencers. Representam determinados valores. Determinam o que é o sucesso. Há muitos que vivem no Dubai, no meio de um luxo por vezes delirante. Veiculam os valores do consumismo. Não sei se têm consciência da sua responsabilidade, mas sabem que têm poder.
A cirurgia plástica, de forma quase selvagem, é outro dos temas focados no filme.
A Liane inscreve-se nessa lógica que tento questionar, que a beleza é a única arma para triunfar na sociedade. Ela vive numa época extremamente competitiva, onde se tem de ser o melhor dos melhores. E hoje a cirurgia plástica tornou-se bastante acessível. A maioria dos ícones femininos dos reality shows fizeram algum tipo de cirurgia plástica. Representam um novo cânone de beleza, uma nova representação do ideal de beleza.
É um caminho demasiado perigoso quando é seguido de uma forma superficial…
Sim, porque por um efeito de moda, torna-se a referência a seguir. E a definição mesmo do que é uma verdadeira mulher. Em si, não é de todo condenável, o que acho delicado é o acesso à cirurgia estética por todas as idades. Mas muitas concorrentes começam a questionar-se e a retirar mesmo os implantes e a revoltar-se contra a ditadura da beleza imposta pela sociedade.
Há também a questão do ambiente religioso, da sacralização dos ídolos televisivos…
A religião, por vezes é a muleta para repelir as pessoas que duvidam dela. Ela inscreve-se na busca do absoluto, de uma elevação, de ser absolutamente perfeita. Pensa que se for perfeita, será necessariamente amada. Está numa lógica de transcendência, de graça, de beleza no sentido mais lato do termo.
Dizer não ao príncipe encantado é uma outra forma de feminismo?
Absolutamente. Ela dispõe do seu corpo. Tem uma visão do que quer e tenta atingir esse ideal. Impõe-se enquanto figura feminina diferente, singular e respeitável. Está a adotar uma abordagem feminista. Eu também estou nessa via de feminismo, mostrando que ela não precisa de um homem para se salvar. É uma personagem feminista porque luta pela sua dignidade, utilizando o que tem, o seu corpo e a sua beleza.
O que é o feminismo hoje?
Essa questão é importante para mim. Mas não há apenas uma forma de feminismo. Para mim, a representação de um corpo hiper sexualizado também pode ser feminismo. Uma reivindicação de poder e de dignidade, logo, de feminismo.