<p>Um dia, José Saramago disse, numa entrevista televisiva: "Toda a vida andei à procura de um local que eu não sabia qual era... e era este".</p>
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Mas quem era José Saramago em Lanzarote, ilha espanhola do Atlântico?
Um imigrante desconhecido, um vizinho simpático, um Deus. Na pequena localidade de Tías, a apenas nove quilómetros da capital, Arrecife, as opiniões divergem, mas tocam-se num só ponto: "É um escritor Nobel e é um homem da terra".
José Saramago escolheu aquele pedaço de terra árida com vista para o mar corria o ano de 1993. "Era mais um que chegava, diziam que era artista e nunca pensei que ficasse cá tanto tempo", relembra uma vizinha próxima. Mas ficou e nessa casa acabou por morrer, deixando indelevelmente a sua marca não só pela pequena localidade de Tías como por todo o arquipélago das Canárias.
A sua casa na "calle" Tegala tem vista para as montanhas vulcânicas e também para o mar. O vento sopra quase sempre forte, mas, ao mesmo tempo, respira-se calmaria. "É um sítio fantástico, muito tranquilo e talvez aqui ele conseguisse a inspiração para escrever os seus livros", comentava um residente.
O Nobel da literatura português conheceu Lanzarote através de familiares de sua mulher, Pilar del Rio, e não hesitou em o escolher para se exilar, por vontade própria, nesse lugar. Em Tías, actualmente com pouco mais de 12 mil habitantes, José Saramago e Pilar del Rio eram "os vizinhos".
"Simpáticos, sempre gentis, mas nunca conversámos muito", referiu Lolly, dona de um espaço comercial na vila. Nos cafés, supermercados, pelas ruas, o comentário à morte do escritor era sempre acompanhado com uma mão no peito: "Perde-se um grande homem. Perdemos um dos nossos", lamentava Juan Zaguero. José Saramago não era frequentador assíduo dos cafés da terra ou dos locais de convívio, pelo que a população de Tías guarda dele memórias passageiras. "O que sei é aquilo que leio nos jornais. Às vezes, via-o por aí a passear pelas ruas, mas nunca fui falar com ele e agora tenho pena", disse José Andis, para acrescentar: "Depois, podia contar aos meus netos que era amigo de alguém importante", sorriu.
Quem, no entanto, guarda pequenas histórias para contar aos seus passageiros é Francisco de León, motorista de taxi. "Transportei-o várias vezes no meu táxi. Uma pessoa agradável e muito educada, conversávamos durante o caminho", relatou com satisfação, lembrando, porém, a última vez que o acompanhou: "Levei-o a uma exposição na Fundação César Manrique, mas ele estava já um pouco doente", recordou, emudecendo o sorriso: "Era um filho da terra e todos sentiremos a sua falta"
Em Lanzarote, José Saramago não se prendia apenas pela sua casa, tipicamente canária, mas com uma oliveira plantada no jardim, quem sabe a fazer lembrar terras lusas. Liberdade é o nome de uma livraria naquela vila. Talvez pelo nome, José Saramago a escolheu para comprar os seus livros e passar algumas tardes entre letras. Assunção Muños é a proprietária daquele espaço. A emoção cortava-lhe abruptamente as palavras, aquelas que queria deixar sair bem bonitas em jeito de homenagem a um "conejero" - nome pelo qual são apelidados os habitantes de Lanzarote. "Já não consigo mais. Dói-me tudo neste momento. Era uma grande pessoa", disse emocionada. Ontem, a livraria Liberdade esteve fechada: "Fechamos quando morre um familiar, agora fecharemos também". Explicou, recordando com carinho a última vez que o Nobel da Literatura foi à sua livraria: "Tinha saído do hospital e foi lá ver as novidades. Era sempre com alegria que o recebíamos".