O ofício artístico e a sua íntima relação com a existência analisados por Agostinho Santos em "A mão é uma coisa acordada".
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São 25 textos e outros tantos desenhos que, no seu conjunto, nos oferecem uma panorâmica invulgarmente ampla sobre o universo criativo do artista plástico e jornalista Agostinho Santos, aqueles que nos são dados a ver no volume “A mão é uma coisa acordada“, recentemente editada pela Officium Letionis, chancela do poeta José Rui Teixeira.
Se os textos representam a teorização de conceitos e palavras-chave que sempre balizaram o seu percurso, os desenhos transmitem-nos, por seu turno, a força e o simbolismo dos traços e personagens que neles habitam. Em última instância, a força motriz é sempre o ímpeto criativo, a vontade de captar na tela toda a carga de sentimentos que a vida é capaz de nos dar. “Sinto vontade de fazer uma revolução, quando estou diante de uma folha de papel ou de uma folha em breve”, escreve o diretor da Bienal de Arte de Gaia no texto inaugural do livro, lançando o mote para o tom de poderosa compulsão criativa que percorre as suas páginas.
Nesta “cartografia íntima”, como a define o historiador e museólogo Luís Jorge Gonçalves no prefácio, não encontramos regras, instruções ou mandamentos por parte de quem, com uma vida inteira dedicada à arte, poderia até cair facilmente na tentação panfletária. Em seu lugar, detetamos uma genuína vontade do artista de partilha de elementos e valores que considera fundamentais, preocupado, acima de tudo, em “viver entre a subtileza e o peso das coisas”.
O apego às causas e a defesa de valores como a liberdade e a justiça espraiam-se por textos e desenhos que expressam também a dualidade entre o Bem e o Mal. A luta permanente que acompanha todos os atos humanos é corporizada nas figuras de Deus e do diabo, duo de personagens que se constituíram como "estátuas de adoração e de ódio na minha cabeça desde criança”, desabafa Agostinho Santos num dos textos.
É nesses territórios de sombra, onde a dúvida campeia, que nascem muitas das criações apaziguadoras da consciência do artista, que se constrói e edifica “tal como uma obra de arte”. Diário de bordo na sua forma mais pura, “A mão é uma coisa acordada” é um manual de liberdade individual com um alcance coletivo.