Neurologista defende no livro “Inteligência vital, estupidez artificial” uma mudança no uso das ferramentas digitais.
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Alexandre Castro Caldas não faz parte dos que desdenhosamente lhe chamam de estupidez artificial. Por um único motivo: “porque não é inteligência”, embora seja “bela na sua coerência interna”. Por entre alertas para um uso incorreto da inteligência artificial (IA) e dos danos que daí poderão advir, o professor catedrático e neurologista advoga no livro “Inteligência vital, estupidez artificial” uma intervenção mais efetiva da ação humana sobre as máquinas, sob pena de esta “entrar em delírio”.
Este livro é uma descrição da jornada do conhecimento?
Entendo a inteligência como um processo natural de toda a natureza viva e dela indissociável, sem o risco de perder a sua essência. Devemos continuar a considerá-la assim, não usando o seu nome para outros conceitos que deverão ter designações mais apropriadas que melhor os definam.Estamos hoje mais distantes de compreender a complexidade da vida?Dispomos de mais conhecimentos que correspondem sobretudo aos “comos” dos processos, mas estamos na mesma no que respeita aos “porquês”.
O debate em torno da IA tem sido capaz de abordar as mudanças em curso?
Não há dúvida que existem tópicos que têm sido mais trabalhados e são do domínio público, mas podemos imaginar toda a espécie de desenvolvimentos que estejam a ser feitos em qualquer lugar do Mundo.Achamos que a inteligência é exclusiva dos humanos, o que, como defende, está longe de ser rigoroso. É por causa da nossa visão antropocêntrica do Mundo?É sem dúvida essa visão que prevalece. Não queremos admitir que somos frutos de um acaso no processo de desenvolvimento dos seres vivos neste planeta e que podemos ser um erro mais grave do que a existência de dinossauros. Já houve grandes catástrofes que afetaram a vida da Terra e isso significa que mais tarde ou mais cedo haverá novas catástrofes com o desaparecimento de múltiplas espécies, entre as quais provavelmente a humana e depois outras renascerão com outras manifestações.Escreve que a IA “não é simplesmente inteligência”.
Essa situação não poderá mudar com o seu desenvolvimento futuro?
Pelo contrário, a IA está a afastar-se cada vez mais do seu padrão de referência que seria a inteligência natural. A estupidez é também um processo natural (infelizmente bem frequente). A inteligência natural resulta de um processo biológico, e assim se revela nas múltiplas entidades vivas. É bem possível que se venha a desenvolver mais na espécie humana se esta resistir mais alguns milénios, mas isso resultará do desenvolvimento de um substrato biológico que a sustente. Não é o que está a acontecer com a IA.
Quais as principais ameaças que poderão advir do descontrolo da IA, a que faz referência no livro?
Estamos dotados de uma parcela de conhecimento do Mundo que julgamos que é a totalidade, mas não é. Estamos a inventar uma máquina que por sua vez vai inventar coisas para lá do que podemos imaginar. Portanto, tudo o que a máquina (ou seja, a IA) produzir tem que ser controlado pelo Homem. Não pode funcionar sem controlo humano, o que ficará em causa se se desenvolver a sua capacidade de aprender e tomar decisões. Estudos universitários recentes indicam que, pela primeira vez em muitas décadas, o QI está a diminuir.
Encontra razões concretas para esses resultados?
O QI é medido por meio de aplicação de provas laboratoriais da Psicologia entre as quais a WAIS (Wechsler Adult Intelligence Scale). Nas suas últimas publicações, o próprio Wechsler considerou que as provas não mediam a inteligência, mediam desempenhos que resultam de múltiplos outros fatores. No caso da WAIS, a cultura tem peso e essa temos que admitir que muda com o tempo.Defende que até os inteligentes têm episódios de estupidez, mas que o inverso não sucede.
A estupidez propaga-se mais facilmente do que a inteligência?
Não sei se estes processos se propagam, o que acontece é que se podem tornar socialmente mais evidentes consoante as condições organizacionais se tornam mais propicias para cada um deles. Seria bom que os intervenientes políticos refletissem um pouco sobre o assunto.Inclui um capítulo sobre a estupidez.
Não se pode compreender a inteligência sem se perceber a estupidez?
É difícil de definir exatamente o que se entende por estupidez. Estou convicto de que existem elementos cognitivos em falta e, provavelmente, outros elementos em excesso que podem ser fatores de confusão do curso do pensamento. A dificuldade em consolidar aprendizagens pode ser do primeiro tipo e a facilidade em aderir a falsas crenças ser do segundo.