Estreia esta quinta-feira nos cinemas nacionais o drama intimista “Um Amor na Escócia”.
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A memória, um dos grandes atributos da mente humana, apesar das “partidas” que por vezes nos reserva, tem sido um enorme manancial para a criação artística, nomeadamente cinematográfica. Ou melhor, a sua ausência, sobretudo quando a memória coletiva, por exemplo de um país, se recusa a lembbar-se de eventos traumáticos, como guerras ou outras tragédias.
Por detrás de um filme com o título “Um Amor na Escócia”, que hoje estreia e altamente se recomenda, encontramos desta vez o drama de um ser humano face à sua perda de memória, ocasionada por um acidente vascular cerebral. O título português, que pretende ser “comercial”, acabando por correr o risco de banalizar a trama, não faz justiça ao enigmático original “Nobody Has to Know”. Há na realidade um segredo, um mistério, que “ninguém tem de saber”, nem mesmo ou sobretudo o espetador, antes que seja revelado.
Coprodução entre o Reino Unido, através de fundos escoceses, e a Bélgica, o título da versão francesa ainda é pior, traduzindo-se para português como “A Sombra de uma Mentira”… Tentando pouco revelar, por detrás da história deste filme tão íntimo, tão sensível, tão profundamente humano, encontra-se um homem de meia-idade a quem um grave problema de saúde retirou a memória. A mulher que vem tomar conta de si revela-lhe que antes desse episódio eram amantes, algo que ele não se consegue lembrar…
Mais do que na Escócia, a ação do filme situa-se numa ilha remora do território, o que acentua o lado microcósmico da comunidade que lá vive, com os seus rituais religiosos e pagãos, a sua moral tão dura quanto a dureza do seu clima e das suas terras, um mar gélido que é ao mesmo tempo ponto de partida e obstáculo natural.
O belga Bouli Lanners consegue a proeza de, ao mesmo tempo, nos cativar com a personagem que cria e assinar um filme sóbrio mas capaz de aproveitar, com o seu magnífico trabalho fotográfico, uma paisagem que se torna rapidamente também uma das personagens do filme. Mas está reservada para Michelle Farley a grande surpresa do filme, no retrato de uma mulher que se debate com os seus desejos, com os seus anseios. Uma pérola a descobrir, este filme...