Muito antes de Bob ser Dylan, a vários anos de distância de o seu nome se converter em ídolo para milhões e milhões de pessoas pelo mundo fora, havia um adolescente que escrevia cartas de amor. "Ridículas", como todas as cartas de amor, na lógica pessoana, mas reveladoras de uma dimensão sonhadora e frágil que não encaixa de todo na imagem de eremita associada há várias décadas ao influente artista norte-americano, hoje com 81 anos.
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Compradas no ano passado pela Livraria Lello, do Porto, que desembolsou um total de 519 mil e 300 euros pela sua posse, estas cartas vão ser agora mostradas em público pela primeira vez no Porto, hoje, dia em que aquele espaço faz 117 anos.
Para já, do lote de 42 cartas adquiridas, será mostrada ao público apenas uma, mas seguramente uma das mais simbólicas. Nela, Robert Zimermann, nome de batismo do músico e compositor, partilha os seus sonhos com a amada, Barbara Ann Hewitt, dizendo-lhe que um dia iria vender um milhão de discos. Uma aparente megalomania, mas que, afinal, ficou muito aquém dos 125 milhões de álbuns já vendidos pelo autor de "Like a rolling stone".
foi amor à primeira vista
"São cartas em que ele, muitas vezes, mente, sonhando, ou então antecipando o que só se concretizaria anos mais tarde", explica Aurora Pedro Pinto, administradora da livraria portuense, que afirma não ter podido "ficar indiferente a uma bela história de amor".
Além de arroubos idílicos típicos de um adolescente apaixonado, as 150 páginas do lote contêm material mais amplo. Encontramos trechos de poemas, impressões soltas sobre as modas dessa época (final dos anos 1950) e até os seus planos para participar em concursos de talentos na pequena localidade de Hibbing, no Minnesota, ou dúvidas sobre o nome artístico mais eficaz que deveria adotar.
Se a decisão de comprar esta "memorabilia" foi intuitiva, por se tratar de "amor à primeira vista", o destino a dar aos documentos ainda é uma incógnita. A livraria afirma estar em contacto regular com o agente do Prémio Nobel da Literatura 2016 e tenciona criar uma equipa curatorial incumbida da análise destes manuscritos.
"Queremos estudá-los de forma minuciosa, até porque as cartas contêm muitos elementos que viriam a estar presentes em várias canções criadas posteriormente, ajudando-nos a compreendê-lo melhor", diz a responsável.
Por muito valiosas que sejam, as cartas de amor de Dylan não vão ser os únicos tesouros que esta livraria se prepara para exibir ao longo do ano.
Há mais tesouros a ver
Fruto da parceria com a Fundação Saint-Exupéry, vai ser exposta também a pulseira que o escritor francês usava aquando da queda fatal do avião que pilotava, encontrada em 1998 por um pescador, ao lado dos destroços da aeronave.
Um mês depois, em abril, a Lello vai mostrar ao público o manuscrito original de "Amor de perdição", expressamente vindo do Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro.
Inicialmente prevista para março de 2020, a exposição do texto escrito há século e meio por Camilo Castelo Branco acabou por ser adiada quase três anos, devido à pandemia da covid-19.