Manuel Alberto Valente revela “O outro lado dos livros” em crónicas habitadas pelas memórias e pelo amor à literatura.
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Uma vida inteira dedicada aos livros, como editor, poeta e leitor compulsivo que sempre foi, confere a Manuel Alberto Valente a inestimável prerrogativa de falar sobre eles com o à vontade com que falamos de alguém da própria família.
Só esta condição seria suficiente para dar às suas crónicas, reunidas sob o volume “O outro lado dos livros”, um interesse especial. Uma suspeita que é confirmada após a sua leitura, porquanto o histórico editor assenta estes escritos numa lógica de partilha que em muito favorece a sua leitura.
Crónica após crónica, somos transportados para o mundo da edição, mais concretamente para os bastidores onde se discutem contratos e se acompanham autores nas suas apresentações, mas também para um meio profissional onde as viagens a Frankfurt ou outra feira internacional são uma rotina.
O seu olhar detém-se quase sempre sobre o insólito ou o picaresco, os episódios aparentemente insignificantes, mas reveladores de traços de personalidade, ora divertidos, ora enigmáticos. No centro das curtas narrativas encontramos os escritores com os quais lidou em quase meio século, muitos deles acabariam mesmo por tornar-se amigos de eleição.
Foi o caso de Luis Sepúlveda (“Lucho”, para os amigos), um dos vários autores que deu a conhecer aos leitores portugueses, de que Valente recorda o “coração de menino”, distante da imagem pública “sorumbática”. Ou também Herberto Helder, que conheceu ainda na juventude, primeiro nos cafés lisboetas e depois em África, reencontrando-o já na fase final da sua vida, quando, devido à integração da Assírio & Alvim no catálogo da Porto Editoria, se tornaria o seu editor. Também aqui, a clivagem entre o eu público e o pessoal era evidente, o que reforça uma tese defendida pelo antigo diretor editorial da D. Quixote e ASA: “Às vezes esquecemo-nos de que, por detrás de um escritor, está um homem ou uma mulher que é igual a nós – e que tem a mesma tão humana necessidade de atenção e carinho”.
Testemunha de uma era em que o trabalho editorial não estava tão condicionado pela rapidez, Manuel Alberto Valente faz um “elogio da lentidão”. Não numa perspetiva saudosista, mas porque essa demora permitia um contacto do editor com o livro que hoje, devido à pressão da concorrência, se tornou impossível.