“Um fotógrafo na revolução” é uma recolha ampla da obra de um fotojornalista essencial da segunda metade do século XX. O livro já está no mercado.
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Nunca quis ser o fotógrafo da Revolução, por muito importante que tenha sido a sua objetiva na eternização do momento maior que foi o 25 de Abril nos destinos coletivos do país. Por isso, o título feliz de “Um fotógrafo na revolução” (edição Caminho) capta de forma muito mais eficaz o percurso de Carlos Gil (1937-2001), um profissional todo-o-terreno da fotografia que acumulou durante décadas a fio coberturas exaustivas de conflitos em qualquer recanto do Mundo, de El Salvador ao Curdistão.
Sempre munido da fiel câmara e da indómita vontade de mudança, “de pé, sem ambiguidades, do lado dos revoltosos e inconformados, contra a ditadura, pela liberdade”, como escreve o jornalista Adelino Gomes num dos textos que acompanham o livro.
Edição revista e aumentada que comporta duas centenas de imagens, “Um fotógrafo na revolução” é, acima de tudo, um invejável compêndio iconográfico da segunda metade do século português, abarcando as suas mitologias, mas também idiossincrasias ainda mais vincadas.
É com o estertor do regime, no final da década de 1960, que se inicia esta galeria de imagens. As saudações da multidão a um já muito debilitado António de Oliveira Salazar servem de preâmbulo às cada vez mais postiças tentativas dos seus sucessores de se eternizarem no poder, mesmo que para tal tenham tido que ensaiar uma suposta abertura, que se traduziu na vinda de figuras como Miles Davis ou Duke Ellington.
Os planos sucumbem com estrondo a 25 de Abril de 1974, mas umas semanas antes, num lotado Coliseu dos Recreios, já se ensaiavam senhas e se prenunciava o odor a liberdade.
Das fotos de Carlos Gil sobre este período incluídas no livro, chegam-nos, numa primeira instância, a tensão e a incerteza próprias de quem não sabia ainda qual o grau de resistência que iriam encontrar face às suas investidas. Uma dúvida que não tarda a ser dissipada pela confirmação do esboroamento do regime e pela certeza de que o povo estava com os militares.
É na forma como o autor regista essa “temperatura humana” que reside boa parte da grandeza das fotografias reunidas no volume.