Primeiros a fechar, últimos a abrir. Espaços noturnos do país vão resistindo e temperando as expectativas.
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"Cheguei a encontrar ervas daninhas na fachada do bar e, no interior, as paredes pareciam chorar por causa da humidade. Era como se o próprio espaço sentisse tristeza, como numa história do Boris Vian". A descrição é de Ana Paula Afonso e remete para o local que explora desde 2013, o Roterdão, no Cais do Sodré, em Lisboa. Impressões amargas sobre um mundo que desapareceu há um ano e que enfrenta o mais longo dos túneis, onde a luz é esperança perigosa.
"Não posso criar mais expectativas. Assumo que antes de 2022 isto não volta a ser o que era. Se for antes, é a felicidade suprema. Mas se vivo com ilusões, arrisco-me a mais um trambolhão emocional", diz a empresária, que participa em missões de observação eleitoral da União Europeia.
Situado numa das zonas mais vibrantes da noite lisboeta, o Roterdão apostava em música eclética para um público de várias idades. A faturação era choruda, o que permitiu criar uma "almofada". Mas agora ela esvaziou-se e flutuam as penas: "Gastei cerca de 240 mil euros em despesas em 2020 e só agora comecei a receber apoios. Pelo meio, tive de dispensar os meus quatro funcionários".
Luzes apagados há um ano
Mais a norte, os funcionários do Passos Manuel, no Porto, continuam em lay-off, depois de um ano em que as luzes da discoteca se apagaram, substituídas pelos raios de sol que permitiram que a esplanada funcionasse durante o verão. "Mas é na discoteca que está o negócio", diz Becas Xavier, proprietário do Passos e figura célebre da noite portuense desde os tempos do Aniki Bobó. Olha para o futuro com otimismo e apreensão: "Não vamos ser muito afetados pela falta de turismo, ao contrário da maior parte dos bares da Baixa, porque não vivemos desse público. Mas tenho receio que os clientes mais velhos, que faziam a casa ao início da noite, não percam o medo de sair tão cedo. Os mais novos estão ávidos para sair, mas só costumam aparecer às três da manhã". Enquanto aguarda pelo desenlace, vai engendrando novas possibilidades para o espaço e inventando coisas para fazer, como organizar discos.
Sem tempo para amenidades está Alexandre Cristovan, um dos proprietários do Juno, em Braga, que se viu de repente transformado em estafeta. "Oscilo entre duas perguntas: porque raio abri o restaurante em janeiro de 2020 para depois ter de o fechar; e será que continuaria com o bar se não fosse o restaurante? Agora passo a vida a fazer entregas". Mas Cristovan confia na resiliência do bar, que promove concertos, exposições e leituras.
"Nunca foi fácil sobreviver, houve sempre problemas com a vizinhança. E temos condições para um futuro sentado e distanciado, se for preciso".