Histórico cineasta nascido em Teerão filma o seu amigo artista em “Ricardo e a Pintura”.
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Veterano do cinema, com obra feita entre França e os Estados Unidos, nomeado para um Óscar por “Reveses da Fortuna” e autor de filmes como “Jovem Procura Companheira” ou “Barfly – Amor Marginal”, Barbet Schroeder tem-se dedicado também com igual sucesso ao documentário. Agora, filme o seu amigo de velha data, Ricardo Cavallo, no ato de pintar e em fantásticas discussões sobre história de arte. Em “Ricardo e a Pintura”, já nos cinemas. O realizador esteve a conversar com o JN.
O que é que o cinema deve à pintura?
Efetivamente, deve. Para começar, o enquadramento. Quando se começa a fazer uma pintura, a primeira coisa que se faz é o quadro, o enquadramento. Depois, a realidade. As primeiras pinturas eram sobre um tema. Estar a par do assunto é o propósito do cinema. Podemos fazer um filme de fantasia, mas no início o cinema filmava a realidade. O princípio do cinema foi talvez o documentário e a pintura.
No seu filme vemos um pintor que trabalha em completa liberdade, com um método muito dele. O cinema alguma vez terá a mesma liberdade?
Hoje é possível fazer filmes sozinho. É preciso saber manejar a técnica, mas é possível, se conhecermos bem os computadores e as câmaras. Há algum tempo era completamente impossível.
No início da sua carreira, e mesmo hoje, que importância teve a pintura?
Sempre teve. Para mim, a pintura sempre foi essencial. Cheguei a Paris, aos 11 anos, vindo da Suíça com a minha mãe, para nos mostrar, a mim e à minha irmã, até que ponto era importante a cultura francesa. Ela veio pelos seus próprios meios, tinha acabado de se divorciar. Como não tinha ninguém para se ocupar de nós enquanto fazia o que tinha a fazer, deixava-nos no Louvre. Na sala das antiguidades gregas, para nos encontrar facilmente. Passámos tardes inteiras no Louvre. Como vê, comecei muito cedo.
Vê-se no filme que há uma enorme cumplicidade entre o Barbet e o Ricardo Cavallo. Como é que se deu o vosso encontro?
A minha mãe conheceu o Karl Flinker, que tinha uma livraria alemã em Paris. Ficaram muito amigos e também foi uma amizade para a vida, para mim. Tornou-se uma espécie de pai espiritual. Um dia, muito mais tarde, eu já fazia filmes, disse-me que me queria apresentar um génio. Levou-me a Neuilly, subi todas as escadas que vemos no filme, e conheci o Ricardo Cavallo, que me impressionou bastante. Ia vê-lo sempre que ia a Paris e agora, 40 anos mais tarde, fiz este filme. Mas há mais de dez anos que o que ria fazer.
Ele é argentino, o Barbet nasceu no Irão. São ambos cidadãos do mundo, uma espécie de exilados. Essa coincidência também ajudou a unir-vos?
Talvez, mas o que nos uniu mais foi irmos juntos a museus e ter grandes conversas um com o outro.
Como é que ele reagiu à ideia de fazer o filme, de se mostrar como o vemos?
Disse-me que se eu queria fazer o filme, ele fazia-o. Foi uma coisa natural. Mesmo onde ele se instalou, em Saint Jean du Doigt, fui visitá-lo várias vezes. Em minha casa, tenho a primeira pintura que ele fez em Saint Jean du Doigt. Olho para ela todos os dias. Vê-se a praia ao longe, há árvores em primeiro plano. É um quadro fantástico, foi o primeiro de uma grande série que ele fez lá.
Hoje somos inundados por imagens, a começar pelos telemóveis. A educação pela imagem é muito importante e vemos na escola que o Ricardo fundou jovens mesmo muito jovens. Acha que as escolas tradicionais estão a fazer bem este trabalho?
Para o cinema ou a pintura serem bem ensinados é preciso que o professor seja um bom cineasta ou um bom pintor. Na escola dele as pessoas que ensinam têm um grande amor pela pintura, mas não posso generalizar. O que é preciso é aprender a amar. O cinema ou a pintura.
Tem planos para regressar à ficção?
De momento, não. Sinto que cheguei ao fim de qualquer coisa. Não sei bem qual vai ser a minha próxima etapa.
Já passou várias vezes por Portugal, onde filmou “Les Tricheurs”. Tem alguma memória em particular que possa partilhar?
Quando estive em Portugal estive sempre rodeado por grandes amigos, como o Paulo Branco e toda a sua equipa. Para mim, Portugal foi sobretudo isso. Quando me perguntam por memórias, tenho sempre dificuldade em responder.
Os seus primeiros filmes, “More” e “O Vale dos Perdidos”, têm banda sonora dos Pink Floyd. Como é que se deu esse encontro?
Um amigo meu disse-me que eu tinha de os ouvir. Fiquei maravilhado e decidi contactá-los, para saber se estavam interessados em fazer uma música que correspondesse àquelas personagens e aqueles locais. Disseram que sim e em quinze dias, em Inglaterra, a trabalhar dia e noite, compunham e gravavam no mesmo dia. Tinham trabalhado um ano num outro disco, que tinha tido um sucesso relativo. E quando saiu a banda sonora de “More”, tornou-se o maior sucesso deles até essa data.
Manteve contactos com o Roger Waters ou com o David Gilmour?
Tentei manter-me em contacto com eles, mas sabe que se zangaram. Não posso dizer que estou em contacto com o Roger Waters, senão vão pedir-me para lhes dar o número dele. Mas a maior parte do tempo ele anda de barco no alto mar e não se consegue contactá-lo.