"Kiko & The Blues Refugees", é o disco de um supergrupo formado por Kiko Pereira. Unidos pelo blues, vagueiam livremente pela soul, funk e rock.
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Tomando como via principal o blues e as suas várias declinações geográficas, "Kiko & The Blues Refugees" não hesita em meter-se por estradas secundárias e visitar todos os miradouros que lhe apetece, porque este é um lugar de absoluta liberdade, "um centro de treinos", para o supergrupo liderado por Kiko Pereira.
Reuniram-se em 2017 para criar um projeto lateral às suas carreiras e, basicamente, para se divertirem uns com os outros: "Houve um apelo assumido ao diletantismo, queríamos experimentar coisas para as quais não temos tido nem espaço nem tempo. Há um ponto de encontro entre todos, que é o gosto pelo blues, mas depois fomo-nos deixando levar pelos estímulos, reagindo ao que a música pedia. E a sintonia manteve-se: se um dizia mata, o outro dizia esfola", disse ao JN Kiko Pereira, uma das mais ilustres vozes do jazz nacional, que passou pela Lisbon Swingers Big Band ou pela Orquestra Jazz de Matosinhos e se estreou a solo, em 2003, com o aclamado "Raw".
A sua pandilha é recheada de notáveis: o guitarrista, António Mão de Ferro, é nome incontornável no blues feito em Portugal, com quatro álbuns em carteira e atuações ao lado de Rui Veloso ou Xutos & Pontapés. Jorge Filipe Santos foi um dos fundadores dos Trabalhadores do Comércio. Carl Minnemann passeou vários instrumentos em projetos com Maria João, Valter Lobo ou Rui Reininho. E João Cunha trabalha regularmente com o Drumming e com o Remix Ensemble da Casa da Música, tendo colaborado com Antony & The Johnsons, Ivan Lins ou Mário Laginha.
Realidade à medida
Como tudo nesta vida, acabaram por esbarrar na pandemia. E o grosso das composições foi trabalhado nos meses do primeiro confinamento. Há o choque pessoal: "A situação penetrou por todo o lado, não havia forma de escapar ao medo do desconhecido. E era, finalmente, uma sensação plena de medo coletivo, depois de vários outros fantasmas que circulavam, como a xenofobia ou a misoginia". Já do lado musical, a reação foi criativa e libertadora, explicou Kiko: "Trabalhávamos à distância, cada um no seu isolamento. Eu tinha os temas estruturados e ia recebendo "inputs" dos outros, houve uma espécie de pingue-pongue. E cada uma dessas ideias teve espaço para florescer. Quando nos reunimos para gravar, já no verão, houve um gosto redobrado pelo encontro, uma catarse".
Povoado de temas viciantes como "Giver" (primeiro single do álbum), "Fake news", "Say it (to my face)" ou "Sittin" and Wishin" (que conta com a participação de Marta Ren), o álbum parte do delta do Mississipi, das raízes francesas do cajun e do zydeko, e depois passeia por várias épocas da música negra, sem pressas, sem obsessões, desfrutando da paisagem. Há influências reconhecidas: de B.B. King e Robert Cray a Neil Young e Jon Spencer. E temas recorrentes, como as redes sociais ou as notícias falsas: "Observa-se cada vez mais uma edição da realidade feita à medida das conveniências de cada um. Não pretendo ser moralista, sou apenas um cota que recomenda um pouco de equilíbrio e moderação".
Sobre a continuação do projeto, Kiko é distendido como o seu álbum: "Não temos contrato, nem obrigação. Se continuarmos, será apenas por gozo".