A Orquestra Jazz de Matosinhos alia-se ao modernismo da escrita de Rebecca Martin.
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"After midnight" juntou a Orquestra Jazz de Matosinhos com os americanos Rebecca Martin (cantora, guitarrista, compositora) e Larry Grenadier (contrabaixista, compositor) em 2020, ainda antes do confinamento. Seis dos 11 temas pertencem a Martin, também co-produtora do disco com Pedro Guedes, diretor e maestro da OJM.
Aqui, a canção popular integra-se na lógica de uma big band. Ambos os idiomas são dominados de olhos fechados e com finura. A orquestra move-se como um organismo uno, camaleónico. Os solos são escassos e fugazes.
O fraseado e a dança com as palavras de Rebecca Martin passam não muito longe de Esperanza Spalding, numa variante ligeiramente menos polida, às vezes também de Patricia Barber. (Os versos podem ser apreciados num audiobook bónus, lidos por um elenco feminino que inclui a atriz Rachel Weisz e a cantora Gretchen Parlato.) Em casos vários, os temas alcançam uma amplitude, fluidez e delicadeza narrativa arrebatadoras, em especial na solar e contida "The space in a song to think", na urgência do tema-título, na magia orquestral levantada peça a peça do asfalto em "Joey".
Entre o material alheio, recupera-se o doloroso "Brother can you spare a dime", de Edgar Yipsel Harburg e Jay Gorney, escrito em 1932 a pensar na miséria que veio com a Grande Depressão americana mas com ressonância em qualquer lugar e em muitos tempos; menos solene do que a notável revisão de George Michael de 2014, mais cansada e fúnebre (elogios). Mesmo desconhecendo a mão cheia de revisões - as mais familiares serão "Portrait" de Charles Mingus e "Lush life" de Billy Strayhorn - é patente a distinção entre estas (fieis na aproximação a outras eras e linguagens) e as peças originais de Martin (modernistas, abertas).
"After midnight" é um testemunho do delicado esculpir de mundos de Pedro Guedes e do talento na escrita de Rebecca Martin - é aqui que os 16 músicos da Orquestra Jazz de Matosinhos soam mais livres, em viagem.