As estatísticas da Cultura não deixam margem para dúvidas: a maioria das mulheres que trabalham nas artes performativas não ocupam cargos de direção e são inevitavelmente circunscritas às funções de atrizes ou figurinistas. Perante estes dados, foi com "surpresa" que Cárin Geada, designer de luz e diretora técnica, recebeu o Prémio Revelação Ageas Teatro Dona Maria II, no valor de cinco mil euros.
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"Foi uma surpresa enorme. Não estava de todo a contar. Os prémios são quase sempre para atores, para as pessoas que estão na frente de palco", contou ao JN. A noção de que o prémio ganha uma dimensão histórica está latente. "O melhor de tudo não é apenas para mim, mas para toda a cenografia, aderecistas, figurinistas que passam despercebidos, porque estes prémios são associados a atores e encenadores. Isto abre novos horizontes, para som e para figurinos", comenta.
Este prémio poderá despertar uma curiosidade do público em geral , nas equipas maioritariamente masculinas com composições de "18 homens e uma mulher". Atualmente diz conhecer em Portugal "umas cinco designers de luz a trabalhar".
O prémio já tem um destino: vai ser investido em formação, num curso de direção de fotografia. "Interessa-me para definir um quadro para cinema. E o que eu faço é abrir os horizontes", diz.
Foi por esse alargar de horizontes que estudou primeiro a luz, na Academia Contemporânea do Espetáculo e depois Cenografia na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo, ambas no Porto. Porque pensa na parte plástica "como um todo".
O último ano foi completamente atípico. Um exemplo dos efeitos dos sucessivos adiamentos de 2021 é que, depois de estrear no fim de semana "Carcaça", de Marco da Silva Ferreira, vai continuar com "O meu primeiro FITEI", este fim de semana, e está simultaneamente com "Oresteia", de Nuno Cardoso, no Teatro Nacional de São João. A estes acrescem os inúmeros reagendamentos impostos pela pandemia. Em 2023 tudo vai normalizar, afirma.
Mesmo com tudo isto, mantém-se humilde. "Em 2017, era uma perfeita desconhecida. Ainda tenho uma longa afirmação por fazer", comenta.
Luz e sombras
Não fugindo à regra, ainda que no caso o género não seja definidor, a sua referência é o designer de luz Nuno Meira. "Já conhecia o trabalho dele. Fui sua assistente e adoro o seu trabalho", comenta.
"É um trabalho autoral. Quando se desenha uma estética, como fazia também o José Álvaro Correia (falecido este ano), há uma linguagem muito afirmativa e vincada". Para quem está no meio, diz que é impossível confundir diferentes trabalhos autorais e faz uma alegoria com a pintura: "Quando tu vês um Rembrandt, sabes que não é um Caravaggio". Com as sensações de luz quer contar uma história, e adverte que as linguagens da dança e do teatro também são desiguais.
Sobre a sua assinatura, afirma ser difícil de concretizar: "Gosto muito de contrastes de cor e de luz e sombra, mas não sei se o público tem esta sensação", comenta, acrescentando que "por vezes temos uma ideia quando criamos e quem vê tem uma leitura diferente".