<p>Uma mortalha cor de pérola estendida por cima da sua urna. José Saramago em repouso, dois cravos vermelhos pousados no seu peito. De um lado, coroas de flores; do outro, a família enlutada. No Salão Nobre dos Paços do Concelho de Lisboa, entrava gente, amigos, leitores anónimos e admiradores e sentia-se um silêncio que enchia o ar. E uma multidão lá fora à espera de entrar. </p>
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Há uma imagem forte que antecede este cenário. Por volta das 14.30 horas, a carrinha funerária chega às portas da Câmara Municipal perante centenas de pessoas em quietude total. A viúva do escritor, Pilar del Rio, sai de um carro e oferece um abraço comovido a António Costa, presidente da autarquia. A porta da carrinha negra com vidros escuros abre-se, o caixão surge - e a multidão na praça explode num aplauso firme.
Durante uma hora, só familiares e amigos puderam entrar nos Paços de Concelho, as bandeiras a meia-haste; na fachada, estendidos dois painéis com o rosto do escritor e a inscrição "Obrigado, José Saramago". Aos poucos, foram surgindo notáveis da cultura e da política.
"Foi uma das pessoas mais lúcidas que conheci", disse o maestro António Victorino de Almeida, sublinhando que Saramago "nunca falava nem escrevia sem saber o que estava a dizer". "Foi um pensador da realidade do país e do Mundo", sintetizou.
"Venho como leitor e como admirador e também com o sentimento de gratidão por tudo aquilo que ele fez pela literatura portuguesa", apontou, por seu turno, Manuel Alegre. O candidato a presidente da República lembrou que Saramago "abriu as portas do Mundo à língua portuguesa" e que "a maior homenagem que se pode prestar é lê-lo e apreciá-lo como escritor".
O primeiro-ministro também lá esteve. "Saramago é um grande artista português, um grande escritor português e um homem muito mais popular do que muitos pensam", apontou José Sócrates, acentuando que o escritor "deixa uma marca e uma impressão muito profunda na alma portuguesa".
"Saramago conquistou durante a vida o coração dos portugueses", afirmou, por seu turno, a ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas.
A sua homóloga espanhola, González-Sinde, esteve igualmente presente para prestar homenagem a "uma referência intelectual que demonstrou para que serve a literatura e os intelectuais: deu-nos ferramentas para compreendermos melhor a realidade e tomarmos acções".
Francisco Louçã, líder do Bloco de Esquerda, por seu turno, recordou Saramago como um destemido "que sempre disse o que pensava e sempre foi polémico", explicando que "ter a força das suas opiniões é uma virtude". Rodeado de jornalistas, Louçã considerou que "houve na história alguns governos cuja mesquinhez estava abaixo do sentimento que os portugueses têm em relação à grandeza da arte", mas salientou que "isso não fica na história".
Ao contrário do actual, o ex-presidente da República Mário Soares não foi de férias e esteve a prestar homenagem a um homem de "grande cabeça, grande lucidez e inteligência". Soares voltou a referir que Saramago tem todo o direito de ir para o Panteão Nacional, mas acrescentou que se o escritor disse que queria ser cremado "tem de se respeitar a vontade dele".
O funeral de Saramago sai hoje, ao meio-dia, da Câmara de Lisboa para o cemitério do Alto de S. João, onde será cremado. As cinzas serão depois guardadas na terra natal, a ribatejana Azinhaga (concelho da Golegã) e no jardim da casa de Lanzarote, em Espanha.