Festival Internacional de Marionetas do Porto recebe este sábado "Spirals", da companhia belga De Studio. Até domingo ainda há várias peças para ver.
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Há uma espécie de mito teatral, baseado em crónicas de época, de que não existe um público mais terrível do que o do Porto. Enquanto o público de Lisboa, no início do século passado, era feliz por participar em atos teatrais, contam as recensões que o público do Porto, entrava sempre nos espetáculos com uma atitude de mostra-o-que-vales, não se coibindo de atirar uns tomates, caso o espetáculo não estivesse à altura do que consideravam ser aceitável pelo bilhete que tinham pago. Esses episódios levaram inclusivamente a que alguns empresários e companhias se recusassem a apresentar na cidade quando duvidavam das suas propostas.
Se o tempo tudo esbate, há um núcleo de tetranetos desses portuenses que pode ter cristalizado nessa tradição de forma quase intacta. Assim o demonstrou o público escolar que participou, na manhã desta sexta-feira, na sessão de "Spirals", de Tim Oelbrandt, no Teatro do Campo Alegre, no Porto, no âmbito do Festival Internacional de Marionetas do Porto (FIMP).
Logo à entrada, apesar de toda a organização com raquetes verdes e vermelhas, todo um circuito, a excitação era muita. "Isto nunca mais começa?", "Isto é assustador, ainda por cima com esta música de terror", enquanto as professoras tentavam "shiu, shiu, shiu". A voz off infantil que dá início ao espetáculo pede que desliguem os telemóveis. "Eu nem tenho telemóvel, os meus pais não me dão". Momento precedido pela escuridão em que a gritaria toma conta da sala, no escuro todos podem soltar os seus demónios, isentos do castigo pelo anonimato.
Numa parca luz, aparece Tim Oelbrandt estirado sobre um cadeirão verde. "Eu bem te disse que isto era de terror, está ali uma pessoa morta", diz um.
Sentado no seu cadeirão, Tim tenta costurar um buraco num pano preto, pica-se inúmeras vezes. Já o público, exigentíssimo, reclama a previsibilidade: "Eu já sabia que isto ia acontecer". Felizmente ele tem um dedal à mão que, com um clássico truque de desaparecer e aparecer, rapidamente transforma o seu dedal em cinco. "What the hell?!", grita uma criança.
Em mudanças de lâmpadas, perseguições de moscas e numa luta com uma casa que teima em ter ações próprias, há quem reclame: "Quando é que isto acaba?". Mas o protagonista consegue rapidamente inverter a situação, aqui é preciso conquistar o espectador a cada minuto, como o relógio que teima tiquetaquear no fundo da cena.
Tim Oelbrandt domina a ilusão e as suas artimanhas e é aí que consegue conquistar o público. Com ilusões e com alusões, se forem escatológicas ainda melhor. "Ele está a vomitar sacos de chá, muitos, isso foi porque ele comeu cocó", diz um. "Não era cocó, eram Oreos", diz outro.
"Spirals" explora a fronteira entre fantasia e realidade, num jogo em que aparece em cena uma trilha circular de cobre, onde uma bola branca gera eletricidade ao movimentar-se, prendendo a atenção da audiência.
Quando até os céticos e amantes do tédio começam a duvidar e passam para o grupo dos "Isto está a ser mesmo fixe, não está?", Oelbrandt aumenta a parada e faz desaparecer a cena inteira. A casa/teatro devolve-lhe em dobro e atira-lhe panelas, lâmpadas, panos e até mesmo o cadeirão que quase lhe acerta. O público grita : "OH MY GOD!" e ri desbragadamente. "Eu adorei, quase que lhe acertava na cabeça", comenta um.
Ao som da letra, de "I can´t help faling in love with you", também o público não consegue evitar apaixonar-se pelos encantos de Oelbrandt e aplaude imenso. O espetáculo tem nova récita para ver este sábado, às 16 horas.
A reta final do FIMP
O FIMP termina este domingo, mas ainda há vários espetáculos em cena. Ainda na noite desta sexta-feira, o Teatro Municipal Constantino Nery, em Matosinhos, recebe, às 21.30 horas, "Hic Sunt Dracones", do Theatre Continuo da Chéquia.
Sábado, o público ainda pode contar com a estreia nacional da chilena Manuela Infante, com "Como convertirse en piedra", no Teatro Carlos Alberto, às 19 horas, e com nova récita domingo, às 16 horas.
A última ação do FIMP decorre no Teatro de Ferro, às 19 horas, com "Arquivo Zombie": o arquivo morto-vivo do Teatro de Ferro.