Cinco anos depois. Chico Buarque voltou aos romances, com "Essa Gente". Um regresso que está longe de ser convincente,
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No afã de querer despertar a todo o custo a atenção dos leitores e dos meios de comunicação social, o marketing acaba por revestir-se, não raras vezes, de efeitos perversos. O mais recente romance de Chico Buarque - o primeiro que publica desde "O Irmão Alemão", em 2014 - bem que pode ser usado como exemplo desse caráter contraproducente que a promoção literária pode assumir.
Mal foi tornado público o livro, todo o esforço comunicacional dirigiu-se num único sentido, como se o simples regresso de Chico não fosse, por si só, motivo suficiente para despertar um entusiasmo generalizado: o de que o livro seria um retrato devastador do Brasil na era Bolsonaro, um "fresco" das injustiças, perseguições e ignomínias que abundam naquela grande nação nos dias que correm.
Acontece que "Essa gente" não é nada disso. Espreitam ao longo da narrativa, é certo, alguns elementos reveladores desse estado de suspensão democrática (como o espancamento de um sem abrigo às mãos de um sujeito abastado), mas este é sobretudo um livro situado na esfera do eu, muito distante do suposto grau de elevada contestação social e política que nos foi "vendido" pelos "marketeers" e "publishers".
Esse indivíduo é Manuel Duarte, escritor a caminho acelerado da decadência cuja vida sentimental se apresenta quase tão arruinada como a literária.
Enquanto tenta, em vão, terminar um romance pelo qual já recebeu direitos de autor (demasiados, na ótica do seu editor), hesita entre a sua ex-mulher Maria Clara e os (des)amores de ocasião.
É no meio desses devaneios que nos chegam alguns fragmentos do Rio de Janeiro, instantâneos que nos fazem sentir o pulsar de uma cidade que é, afinal, como um organismo em movimento permanente.
O motivo pelo qual o livro fica muito distante de obras maiores do também músico não se cinge à tal frustração de expectativas.
No próprio plano estrutural há evidentes fragilidades. O registo diarístico em que o autor de "Estorvo" vai narrando os avanços e recuos da história nem sempre se revela a melhor opção, sendo particularmente desastroso na primeira meia centena de páginas. Nesse (longo) preâmbulo, as vozes confundem o leitor, que se mostra incapaz de perceber a quem pertence a respetiva entrada no diário.