“Oppenheimer” tem 13 nomeações, “Pobres criaturas” 11, “Assassinos da lua das flores” 10, mais duas do que a boneca da Mattel, e "Maestro" corre para sete. Num ano com mais razões de satisfação do que de deceção, há dois motivos paralelos de orgulho nacional. Os prémios do cinema dos EUA são entregues a 10 de março.
Corpo do artigo
É um filme de ação só com palavras a rajar, é uma irradiante aula de história de três horas que passam a chispar, é o mais desafiador filme que vimos este ano: o drama atómico que atira o espectador para o meio do duelo moral de Robert J. Oppenheimer, o atónito pai da Bomba H, é o filme mais nomeado para os Oscars 2024, com 13 nomeações. E são todas de alto calibre: melhor filme, realizador (Christopher Nolan foi nomeado cinco vezes e nunca ganhou; a sua vitória nos Globos de Ouro é um bom sinal), ator (Cillian Murphy, favoritíssimo), ator sedundário (Robert Downey Jr), atriz secundária (Emily Blunt), mais argumento adaptado, fotografia, montagem, banda sonora, melhor som...
O brilho crespuscular de "Oppenheimer" é de tal ordem que ofuscou como um sol negro o extravagante campeão de bilheteiras do ano (1,4 mil milhões de dólares de receitas), “Barbie”, o musical kitsch que teve oito nomeações. A candidatura contém possibilidades de prémio para melhor filme, ator secundário e atriz secundários (Ryan Gosling e America Ferrera), mas depois as outras são categorias de certa forma menores, incluindo duas canções (uma é de Billie Eilish). 'Domage': a realizadora Greta Gerwig não foi nomeada e a atriz Margot Robbie também não.
O romance de verão Barbenheimer já expirou; agora acaba de começar o eclipse da boneca da Mattel.
O mundo das criaturas bizarras
Não é só uma ótima surpresa, é mesmo um maravilhamento: “Pobres criaturas”, a selvática fantasia feminista do grego Yorgos Lanthimos que fecunda uma mulher-Frankenstein (Emma Stone) a correr o mundo chauvinista numa desenfreada busca de igualdade e de sexo, tem 11 nomeações explícitas, incluindo filme, realizador, argumento, atriz, ator secundário (Mark Ruffalo) e banda sonora.
Mas há ali, na trilha da imagem e do som deste bizarro, mas eufórico “Pobres criaturas”, o primeiro de dois orgulhos nacionais nestas nomeações para os Oscars 2024: no filme vemos e ouvimos Carminho a cantar um fado (“O quarto”) à varanda de uma Lisboa retrofuturista. O orgulho é, é claro, diagonal: a nomeação para melhor banda sonora original é só para o britânico Jerskin Fendrix.
Depois: “Assassinos da lua das flores” (dez nomeações, incluindo filme e realizador para Martin Scorsese, candidato pela 10.ª vez, uma só vitória, com “The departed- Ente inimigos”) será a única obra que já garantiu um Oscar antes da corrida acabar: o de melhor atriz para Lilly Gladstone, que é a primeira nativa americana a ser nomeada.
O drama real é excruciante: reencena a chacina dos prósperos índios Osage às mãos dos brancos racistas na América de 1920, numa turba de ganância comandada pelo pérfido Robert De Niro. Frustração: o assombroso Leonardo DiCaprio foi excluído como ator secundário.
Maestro Bradley Cooper e duas boas surpresas
Seguindo a ordem decrescente de nomeações, “Maestro”, a biografia íntima de Leonard Bernstein, um génio hiperativo e bissexual, segurou sete candidaturas e oferece três possibilidades a Bradley Cooper de ganhar: como ator, produtor e argumentista; só não vingou como realizador. Carey Mulligan, a atriz que dá corpo á resplandecente mulher do maestro, está também nomeada.
Entre as boas surpresas num ano com poucas deceções – “Estranha forma de vida”, o terno western gay de Pedro Almodóvar não entra na corrida das curtas-metragens em imagem real – empatam dois filmes com cinco nomeações cada um.
Ambos concorrem à dupla categoria de melhor filme geral e melhor filme estrangeiro: “Anatomia de uma queda”, psico-thriller de tribunal sobre um homicídio, da francesa Justine Trier, que é a única mulher nomeada para a realização; e “Zona de interesse”, o sensitivo drama soturno de Jonathan Glazer que nos conta o complexo caso de amor entre um oficial nazi e a mulher de um comandante de Auschwitz.
A pista paralela de “Os excluídos”
Há ainda outro filme com cinco nomeações, mas este é uma coisa subliminar e que parece correr na pista do seu próprio isocronismo: “Os excluídos” (“The Holdovers”), de Alexandre Payne.
Drama cómico sobre um professor de história irascível que é forçado a permanecer na escola durante as férias porque um aluno problemático não tem para onde ir, ferrou os dentes em cinco nomeações de monta: melhor filme, ator (Paul Giamatti), atriz secundária (Da'Vine Joy Randolph), montagem e argumento original. Os atores já ganharam os seus Globos de Ouro este ano e o filme corre também para sete BAFTA, os galardões do cinema inglês.
Ainda alegria: “Nyad”, a notável história real da nadadora olímpica Diana Nyad que, aos 60 anos e com a ajuda da melhor amiga e treinadora, realiza o sonho da sua vida, que é atravessar em mar aberto, e sem parar, a distância de 177 quilómetros que vai de Cuba à Flórida, teve duas nomeações. São para as (sublimes e felizes) atrizes: Annette Bening, principal, e Jodie Foster, secundária.
E o outro orgulho nacional é…
Mais dois sublinhados: na categoria dos melhores documentários do ano está “20 dias em Mariupol”, registo do agonizante cerco russo à cidade-mártir ucraniana realizado pelo repórter de guerra Mstyslav Chernov, e parte como o grande favorito; e nas animações o duelo será a dois: “O rapaz e a garça”, delicado conto do japonês Hayao Miyazaki, e “Homem-Aranha: através do Aranhaverso”, da poderosa Disney.
Neste último está o outro motivo de orgulho nacional nestas nomeações para os Oscar 2024: na tríade de realizadores desta animação consta, entre Kemp Powers e Justin K. Thompson, sobressai, escarrapachado, um nome e um apelido que só podem ser de um português: Joaquim dos Santos. É um cineasta de 45 anos, natural de Lisboa mas residente nos EUA desde os 4 anos de idade e que hoje é cidadão pleno dos EUA.
Os Oscars são entregues a 10 de março nos EUA, o mesmo dia das eleições legislativas em Portugal. O apresentador é Jimmy Kimmel.