Nova geração de cineastas está a romper com os "clichés", mas a perceção do público ainda resiste à mudança.
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João Salaviza rodou o seu mais recente filme, "Chuva é cantoria na aldeia dos mortos", no Brasil. O mesmo país onde Miguel Gomes se apresta para filmar a sua próximo longa. Salomé Lamas viajou até ao Peru para realizar "Eldorado XXI". "A árvore", de André Gil Mata, desenrola-se na Bósnia Herzegovina.
Estes exemplos reforçam o que é uma evidência para os observadores do meio: a nova geração de cineastas está cada vez menos presa ao seu território de origem e faz do Mundo a sua casa. Muitos, como Gabriel Abrantes, Sofia Bost, Pedro Neves Marques ou Natália Azevedo Andrade, fizeram mesmo a sua formação, de forma parcial ou total, no estrangeiro.
"Há sobretudo uma forma mais global de encararem as narrativas do cinema", resume o jornalista e crítico de cinema Mário Augusto.
Mas será que esse olhar mais amplo pode colocar em risco a identidade cinematográfica portuguesa, plasmada em nomes incontornáveis como Manoel de Oliveira e João César Monteiro? O autor do programa "Janela indiscreta", na RTP, entende que não, mas Ana Catarina Pereira, investigadora e professora universitária, tem mais dúvidas. "Esta é uma geração de rutura, o que é benéfico, pois o cinema português viveu muito em torno do binómio Oliveira-César Monteiro".
"mais expandido"
Autora de "Geração invisível", tese de doutoramento sobre a nova geração de cineastas, a docente da Universidade da Beira Interior aponta a "diversidade" como uma virtude maior desta nova plêiade. Embora considere que autores como João Salaviza continuam a prolongar "a genealogia" do cinema lusitano, Ana Catarina Pereira reconhece, todavia, que a corrente dominante é distinta. Para estes cultores, "Portugal continua a ser mostrado, mas a nacionalidade já não é um traço marcante. É um cinema mais expandido e abrangente, em que não cabem só os subúrbios de Lisboa".
"Filmar como se quer, sem defender cânones" faz do cinema português "cada vez mais diverso e rico", defende João Salaviza, mas não elimina os problemas com que este se depara há muito. A começar no facto, diz Diogo Costa Amarante, de "o financiamento escasso e os candidatos habilitados a filmar serem muitos". O resultado, garante o cineasta premiado no Festival de Berlim, é que "se instala um ambiente de grande competitividade".
A competitividade crescente do meio já se começa a fazer notar no percurso académico. Com uma obra que se divide entre as salas de cinema e as galerias de arte, Salomé Lamas denuncia "a pressão grande" nas universidades para que os alunos comecem a candidatar-se a prémios. "A escola é para experimentar e não para sujeitá-los a convenções", critica.
o efeito de uma piada
João Salaviza elege outros problemas crónicos, como "o desprezo profundo das elites pelo cinema", "o monopólio das salas de cinema concentrado nas mãos de uma empresa", mas também "as transformações profundas" que estão a ser operadas nas cadeias de exibição e distribuição.
Se o cinema português está a mudar de forma acelerada, bem mais lenta é a aceitação do público. Miguel Gonçalves Mendes, autor do aclamado documentário "José e Pilar", é cáustico: "Existe um divórcio absoluto entre o público português e a sua cinematografia. Nunca conseguimos descolar de uma piada do Herman José, bastante injusta até, de que o cinema português era um plano de meia hora de uma árvore".
O que fazer para combater este estereótipo? A promoção é uma palavra-chave, assegura Mário Augusto: "Uma boa campanha faz toda a diferença. Por cá, encaramos esta questão como secundária, mas em muitos países gasta-se tanto a promover como a produzir um filme".
Da escola para os festivais de Berlim e S. Sebastian
O jovem cineasta açoriano David Pinheiro Vicente era ainda aluno do Conservatório há dois anos quando enviou para o Festival de Berlim a sua curta "Para onde o verão vai", sem imaginar que o filme seria aceite e apresentado em seguida em numerosos países. "Foi uma sensação boa, mas estranha, ter chegado a festivais tão importantes com um filme feito na escola", afirma o cineasta, de 23 anos.
"Jovens realizadores são mais universais", considera Mário Augusto*
Quais os traços dominantes destas novas gerações de cineastas nacionais?
Há sobretudo uma forma mais global de encararem as narrativas do cinema. Os nossos filmes tiveram sempre um estilo muito marcado e facilmente identificável. Os jovens realizadores fazem um cinema mais universal, mas sem que isso signifique que a identidade portuguesa tenha deixado de estar presente. Mantém-se, mas adequada a uma narrativa contemporânea.
Que insuficiências ainda deteta?
O grande problema continua a ser a incapacidade de continuar boas histórias nas narrativas longas. Nas curtas, isso não acontece. Estamos com um ritmo incrível. Curiosamente, há curtas excelentes que quando são adaptadas a longas ficam maçudas. Apesar de tudo, os cursos de cinema estão muito mais vocacionados para a prática e os alunos têm mais facilidade de acesso a meios técnicos. Hoje, qualquer máquina fotográfica tem uma câmara de filmar com qualidade incrível.
Estamos mais próximos de ver um realizador português oscarizado?
Para que isso aconteça é preciso gastar muito dinheiro, porque há muitos lóbis e jogos de bastidores que rodeiam os Oscars. As coproduções são também importantes, como temos visto com exemplos de realizadores brasileiros ou mexicanos em grandes produções.
*Jornalista, crítico de cinema e autor