Irlandeses deram concerto de várias tintas. Arlo Parks trouxe doçura antes da chuva, The Mars Volta um caso de "spanglish" muito caricato.
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"Também vimos de um lugar solarengo", disse James McGovern, vocalista dos irlandeses The Murder Capital, tentando animar o público que acorria ao Palco Plenitude. Era um momento de brecha na intempérie, meia hora de sol forte a criar a ilusão de que o Óscar seguira viagem. Mas o tempo pareceu andar a compasso com o espetáculo, que partiu de temas relativamente claros na sua estrutura, e depois foi-se adensando, com camadas sobrepostas de urgência, melancolia e desespero.
McGovern, de camisa branca e calças pretas, tinha o visual de um empregado do café Cenáculo, e na bandeja trazia as peças contraditórias que compõem o pós-punk: simplicidade de processos, por um lado, naquilo que herda da abordagem direta do punk, e um gesto experimental que vai atraindo novos e mais complexos elementos. As letras são uivos existenciais, ora intimistas, ora explosivos. A banda, que percorreu essencialmente a oferta do recente "Gigi"s recovery", tanto mergulha na plangência de guitarras e teclados doridos, como incita ao mosh quando os instrumentos se afiam. Concerto de vários tons e temperaturas sob um céu cada vez mais instável.
Que começou a ceder durante o número de Arlo Parks, pouco depois. A jovem cantautora, poeta e realizadora britânica atuou diante de um terreno pantanoso, rescaldo das bátegas do primeiro dia. Mas trouxe trouxe um som suficientemente amável para amenizar o desconforto. Voz doce sobre um caldo tépido de R&B, escoando os temas de "My soft machine", editado em maio. E uma perplexidade: seria o teclista da banda o "doppelgänger" do jovem David Gilmour?
The (Marco Paulo) volta
The Mars volta atiram ao público: "Não se preocupem nós também estamos à espera da Rosalía". Mas, na verdade não necessitam dessa falsa humildade, ninguém aguenta tanto tempo debaixo da chuva, muito menos milhares de pessoas se não estiverem ali para os ver. E a banda do Texas tem todos os motivos para ser vista, e quando se diz todos, são mesmo todos, porque são uma espécie de restaurante onde pode provar todas as especialidades. Música latina, rock progressivo, indie, eles vão a todas e de forma bastante competente. Há uma veia de improvisação especialmente do belíssimo guitarrista que os torna muito apetecíveis. E depois há Cedric Bixler Zavala, que é uma performance por si só.
Os Surf Curse já tinham feito a piadinha sobre o falsete, mas na verdade o seu falsete só decorre em inglês, porque quando decide cantar em castelhano a voz fica quentinha, sexy e embala nos riffs de guitarra e nos ritmos cubanos, na perfeição. Um caso de spanglish a ser apurado. Outra das suas especificidades são os seus golpinhos de anca, bem marcados, ritmados impossível não se perceber a denominação de origem, como o próprio canta: "viven los cuerpos aqui temblando". Para aumentar o romantismo dos casais que se decidem a dançar espalham-se bolas de sabão pelo ar. A similitude só será detetada em Portugal, mas tem também o estranho costume de passar o microfone de uma mão para a outra e os caracóis negros a enfeitar a cabeça, fazem lembrar os áureos tempos de Marco Paulo, sem som evidentemente.