"Vânia", de Luís Mestre, é uma releitura do clássico de Tchekov e está em cena no Teatro Carlos Alberto, no Porto, até domingo.
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Há uma crença de que o tempo cura tudo, mas Anton Tchekov e a sua dramaturgia desmontam essa convicção - o tempo só agudizará a dor. "Eu devia ter ficado com ela, soube-o a primeira vez que a vi, aquela pele clara e os olhos brilhantes e aquela dualidade: às vezes bela e sedutora outras vezes medusa", diz uma personagem, numa receita para o desastre. Mas, não teve força para se "transformar em tempestade e ficar com ela", deixou-a ir por um amor que considerava conveniente, mas que se revelou não o ser.
O amor e o desamor são a força motriz de "Vânia", adaptação do clássico "Tio Vânia" que Luís Mestre e o seu Teatro Nova Europa têm em cena até domingo no Teatro Carlos Alberto, no Porto.
Na reescrita do clássico, Mestre inspirou-se nas versões de David Mamet e de Howard Barker e reduziu a obra a cinco personagens, interpretadas por um experiente elenco com Ana Moreira, Ana Sampaio e Maia, Belisa Branças, João Oliveira e Sílvia Santos. Os cinco condenados, encerrados numa casa, como é prática em Tchekov, servem ao espectador, logo à cabeça, cinco monólogos onde a catástrofe íntima de cada um pode ser vista e dissecada ao microscópio.
O paralelismo é feito com o mito de Sísifo, que enganando tantas vezes os deuses, e com a sua inteligência percebeu que estaria eternamente condenado a subir e a descer de novo à planície. Em "Vânia" todos descem à planície e não desfrutam da paisagem. Mesmo aqueles que parecem ser bafejados pela sorte: "A beleza é a coisa mais antidemocrática que existe e eu tenho-a". O que parecia ser uma bênção, revela-se uma maldição.
Todos tinham grandes planos e sonhos que se revelaram impossíveis de concretizar, por culpa própria, mas nada acontece que faça reverter a sorte e agora é demasiado tarde. Estas personagens ficam presas na indolência, vítimas de si próprias e sem capacidade de resposta - marca indelével de Tchekov.
Apesar do tom de autocídio, os clássicos tem essa capacidade: são um espelho onde cada espectador pode encontrar a saída de emergência.
"Vânia"-Teatro Nova Europa
Teatro Carlos Alberto
até 4 junho