Transversal a todo o festival Meo Sudoeste, há uma personagem, muitas das vezes omnipresente, cujo nome é mencionado, nem sempre em vão: a mãe.
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A mãe está em todo o lado, não importa qual o género de música que se escuta, há sempre vários cartazes: "Mãe estou aqui" ou "Mamá estoy bien". Alguns têm corações ou sorrisinhos a enfeitar, outros são só informativos. Há filas a perder de vista para carregar os telemóveis, para ligar à mãe. Além do boletim informativo diário para assegurar à mãe que tudo está bem, há informações preciosas e a mãe sabe sempre tudo. Como tirar lama dos ténis; curar as feridas que fizeram a saltar para o canal do recinto; amenizar escaldões; tempos de cozeduras de ovos para o jantar; ou, até, se o orçamento para gastar um pouco mais no festival pode esticar.
Claro que também há o paradoxo de apesar da mãe saber sempre tudo, haver coisas que a mãe não pode saber. A mãe não pode saber que o filho levou um murro num olho e que está no posto médico a chorar. A mãe não pode saber que a filha de 14 anos está a fumar cigarros da amiga, nem que o filho está num sítio onde outras mães não vão com os filhos - porque "estão a queimar algo que cheira muito mal". A mãe não pode saber que a filha diz que "o indispensável para um festival são preservativos". Não pode? Talvez possa. E agora, definitivamente, não podemos ligar à mãe, porque a mãe não pode saber que o amigo Nuno, conhecido desde a escola primária, está a dar uns amassos na filha. Mas talvez a mãe já saiba...
A mãe não pode saber que o filho grita: "Madre mia, si a ti te gusta a mi me encanta", nem que faz sinais obscenos quando vê as miúdas a cheirar a amaciador enroladas em toalhas a passar.
A mãe tem várias caras. A do Bruno Santos fez vários tupperwares de rissóis de carne ("os de camarão estragavam-se depressa") para que ele e os amigos pudessem estar bem alimentados no Festival. O amigo Fernando Almeirim adverte: "Liga à tua mãe que os rissóis vão a acabar!". A culpa é "da gorda da Betty que diz que à noite lhe dá mais fome e vem sempre aqui à tenda bater", diz o filho da mãe zelosa. Betty espreita e murmura, mas não sai da toca, deve ser notívaga ou então está a comer...
Mas também há mães que ali estão...
Num café da vila da Zambujeira, onde ao meio-dia os festivaleiros chegados num autocarro regular, que faz a ligação entre o recinto do Meo Sudoeste e a vila alentejana, um grupo de adolescentes faz a sua higiene. Com pacotes de batatas fritas e gelados no bucho, aproveitam o consumo para usarem um pequeno lavatório. Logo ali formam uma coluna de pessoas que lavam a cara, os dentes e restante anatomia passível de ser lavada em público. De repente, toca um telemóvel: "Olá mãe, sim, está tudo bem. Já comi". Para evitar a resposta sobre o calórico cardápio, logo ali corta à tangente, "quando vamos para o Algarve, mãe?".
Há também uma espécie de mães-irmãs (vão vestidas iguais às filhas), flamingos bronzeados, botas "Coachella", flores "Woodstock" na cabeça e calções de ganga- bochecha-do-rabo-de-fora. No quarto de banho, igualmente nauseabundo em qualquer outro festival, mas na zona VIP, Constança Belo enfeita as três filhas. A mais velha aplica blush na barriga que o "crop top" deixa antever e sacode a cabeça várias vezes para dar volume ao cabelo. A mãe encoraja, "faça isso que o seu cabelo é muito liso". À filha do meio cola tatuagens, prateadas e douradas, a envolver o braço. A mais pequena só quer brilho nos lábios, para estar bem quando os D.A.M.A chegarem. É de noite e ninguém vê ninguém com clareza, mas a mãe finge que sim.
Francisco Bernardino tem cinco anos e está às cavalitas da mãe. Luísa trouxe-o porque ele queria muito ver os D.A.M.A. Vieram de Odemira e no carro gostam muito de cantar a música homónima. "É um dia especial e ele queria muito vir", e ele ali está, excitadíssimo, a cantar, braços todos no ar. A mãe, apesar de já estar um pouco corcunda, sorri. João está de férias na Zambujeira, tem dez anos e salta, todo maluco, ao som de Calvin Harris. Grita: "Mãe, salta também!". Ela sorri e faz uns quantos saltos só para o ver feliz. Calvin Harris é aquele da música "ta tana ta" e ele só sabe essa e "é fixe estar a gritar e saltar".
Na sexta-feira, a mãe também ficou a saber como ir a um festival em que troveja e chove, apesar de ser verão e apesar de estarmos no Alentejo. A mãe diz que o melhor remédio contra a chuva é o Carlão, que não virou mãe, mas já virou pai.
Diversão em dia de chuva e trovoada
O terceiro dia começou cinzento, o início da tarde confirmou as piores expetativas trovoada e chuva abateram-se sobre a Zambujeira do Mar. No recinto o ambiente tornou-se mortiço, o cansaço parece exacerbado debaixo de um céu ameaçador. Ana Beatriz Patita e Rita Oliveira, amigas de Fátima, de 17 e 18 anos, respetivamente, foram esclarecedoras: "Hoje não fizemos nada, apenas passamos o dia nas diversões que há no recinto". Para elas a favorita é a "montanha russa".
Ao fundo do condomínio enlameado ouvem-se uns gritos. Há quem não se deixe assustar pela chuva e mergulhe no canal. Ao som de um carro de mala aberta na vizinhança que debita "se gostas do que é meu toma, toma" um grupo de miúdos mergulha alegremente no canal. Uns vieram de Aveiro e outros do Porto. Ricardo Capitão é o que mais gosta de conversar: "Estes são os meus discípulos e fazem o que eu mando, aqui não há frio nenhum". Riem-se felizes enquanto se tentam equilibrar três num insuflável branco. "A água está muito boa, venham ver",atira Vasco Casanova. E rematando: "Eu agora só saio daqui para ver o Benfica no domingo e olhe que eu sou do Porto".