Encenador Gonçalo Amorim ensaia a possibilidade de revolução em três peças diferentes nesta temporada.
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Três estreias em três teatros é o caderno de encargos de Gonçalo Amorim, 44 anos, para as sete próximas semanas. Em comum, as peças apresentam "a melancolia dos derrotados como uma possibilidade de revolução", desvendou, ao JN, o diretor artístico do Teatro Experimental do Porto (TEP) e do Festival Internacional de Expressão Ibérica (FITEI).
A primeira estreia do encenador nesta temporada é uma tragédia grega. A.N.T.Í.G.O.N.A., a partir da peça de Sófocles (Teatro Carlos Alberto, Porto, desta quarta-feira até 19) transforma-se numa coisa outra, cuja pista estará no acrónimo encontrado para o nome da filha de Édipo: "Ainda não temos imagens de guerra onde nasça o amor". No dia 8 de outubro, a estreia é em Lisboa, no Teatro Nacional D. Maria II, com "Última hora", comédia negra de Rui Cardoso Martins sobre o jornalismo. Um mês depois, novo regresso ao Norte, para estrear, ao lado do cúmplice Paulo Furtado, "Estro/Watts. Poesia da idade do rock" (Teatro Municipal do Porto, 6 a 8 de novembro).
Nas três peças que vai estrear há uma ameaça à democracia...
A.N.T.Í.G.O.N.A é sobre a crise da democracia. À luz do que aconteceu, acaba por ter um novo sentido. A impossibilidade de Antígona enterrar o irmão, a abordagem das leis não escritas e as democracias tensionadas criam uma hipótese de revolução.
A revolução está sempre presente no seu trabalho.
Todas as peças têm em comum a melancolia dos derrotados como uma possibilidade de revolução.
Essa preocupação advém de alguma filiação partidária?
Não tenho filiação partidária, mas gosto de me sentir à Esquerda. O PCP foi sempre o partido mais coerente. Isso é também fruto da sua lentidão, da não subjugação ao marketing e à velocidade. Toda a gente formula opiniões, o PCP forma ideais em coletivo. Por isso, tem sempre os princípios no sítio.
Revê-se nisso?
Gosto da Esquerda, agrada-me a possibilidade da "geringonça".
Que relação tem com a Imprensa para decidir encenar um texto sobre jornalismo?
A Imprensa é o local de construção da democracia. Gosto da Imprensa. Não a vejo como um sítio de divulgação e sofro imenso a sua instrumentalização e com a falência da crítica. Sempre convivi com jornalistas em casa dos meus pais. Lembro-me bem da primeira geração que fez a transição de "O Primeiro de Janeiro" para o "Expresso" e depois para o "Público".
"Última hora" transparece isso?
O Rui Cardoso Martins, o Miguel Guilherme, João Cardoso e a Maria Rueff são um elenco desafiante. São pessoas com muita experiência, trajeto e carisma. A peça aborda a crise do jornalismo na esfera pública. É uma comédia negra, bastante gráfica, a piscar o olho à banda desenhada e ao filme negro.
Os jornalistas saem mal vistos?
Vão conseguir rir e chorar, porque o Rui também é um romântico.
O trabalho sobre a "Poesia na idade do rock" foi mais simples?
Eu e o Paulo Furtado cancelámos a a apresentação da obra a cinco dias da estreia. Tive a sensação de morrer na praia. Estamos habituados a trabalhar juntos, já é um colaborador habitual.
O cancelamento foi consequência do confinamento. Como lidou com os reagendamentos?
Sou workaholic, um bicho de ver e de fazer teatro. Numa sala de ensaios, estou como peixe na água. Por isso, agora estou muito feliz.
E o regresso ao Porto? Passados dez anos, já consegue avaliar o peso da decisão que tomou?
Tenho muito orgulho na aposta que houve em mim. Tenho uma relação emocional com a cidade. As pessoas do Porto não existem em mais lado nenhum. Se deixarmos cair uma coisa, elas vêm a correr atrás de nós para a entregar. Isso é muito muito bom para as crianças. E eu tenho duas.
O teatro foi óbvio na sua vida?
Não, tenho sempre em mim a marca da antropologia, que estudei antes de entrar no conservatório.