Único documentário em competição pelo Urso de Ouro, “Timestamp”, de Kateryna Gornostai, coloca na discussão do Festival de Berlim a questão da guerra na Ucrânia, coincidindo com as últimas declarações do presidente norte-americano sobre Zelensky.
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Mas, se todos os filmes são políticos, e “Timestamp” não pode e não quer fugir à regra, o seu dispositivo não é de forma alguma diretamente militante nem é atravessado por uma qualquer agenda.
O filme acompanha uma série de jovens de várias escolas e de vários escalões etários, em locais da Ucrânia que variam desde vilas e cidades longe da frente até algumas que se localizam apenas a alguns quilómetros dos confrontos com o exército russo.
A ideia é mostrar como a vida continua, mas também como a guerra passa a fazer parte integrante destes jovens, que têm de se dirigir a abrigos subterrâneos quando as sirenes dão o alarme, são informados sobre os perigos de alguns brinquedos onde podem ser escondidos explosivos ou, os mais velhos, têm de aprender a manipular armas.
“Timestamp” torna-se inesperadamente comovente e, melhor ainda, contendo um sinal de esperança, através dos olhares, dos sorrisos, das palavras e gestos destas crianças, sobretudo as mais novas, talvez ainda demasiado inocentes para perceber exatamente o que se passa à sua volta, mas carregando desde logo o peso de uma situação de guerra que não deveria existir.
Para os que não acreditam em coincidências, o bebé que a realizadora deveria dar à luz apenas daqui a alguns dias, acabou por nascer na véspera da estreia mundial do seu filme. “É um rapaz”, afirmou Kateryna Gornostai, num comunicado à imprensa, com quem não pode estar nos dias anteriores. Um sinal de que o futuro está aí, e pode ter um sinal de esperança.
Como não há Berlinale – ou Cannes e Veneza – sem um filme do coreano Hong Sangsoo, capaz de produzir dois ou três filmes por ano com o seu muito próprio e minimalista sistema de fabricação, a competição de Berlim encerrou com “What Does that Nature Says to You”. Muito ao seu estilo e já muito bem dominado, com uma fina e profunda ironia, o filme é “apenas” sobre o encontro de um jovem com os pais e a irmã da namorada, a que deu boleia para casa desde Seoul, e que o convidam para jantar.
Mas, através dos deliciosos diálogos, é um pouco de vida que passa à nossa frente, num olhar muito coreano e inesperadamente universalista. O seu estilo está lá, com planos fixos e muito longos, mas onde muito se passa, e com a sua habitual assinatura de um ou dois efeitos de zoom.
Com já quatro dezenas de títulos em menos de trinta anos de carreira, Hong Sangsoo já venceu prémios em Cannes, Locarno, Roterdão e San Sebastian, mas Berlim é mesmo a sua “praia”, onde “”hat Does that Nature Says to You” é a sua décima presença, tendo vencido Ursos de Prata como argumentista ou realizador e dois Prémios Especiais do Júri. Falta-lhe o Urso de Ouro. Será desta?