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O vulto da literatura feminina internacional Virginia Woolf escreveu no seu diário em 1924: "Como sempre, estou cheia de trabalho, estafada. O que me vale é pensar que na terça-feira vou ouvir a Suggia". Prova de que a violoncelista portuguesa era capaz, com as suas interpretações, de salvar até os espíritos mais atormentados. Quando Guilhermina Augusta Xavier de Medin Suggia faleceu, a 30 de julho de 1950, aos 65 anos, na cidade do Porto, o "Jornal de Notícias" deu-lhe a sua primeira página, "pelos seus méritos invulgares, pelo seu talento incontestável, esta mulher que nos maravilhava com os prodigiosos acordes que as suas mãos artistas extraíam do seu violoncelo mágico".
Guilhermina Suggia revolucionou o instrumento em técnica, posição e sonoridade, conseguindo a façanha de abrir uma carreira profissional de violoncelista às mulheres, até então impossível. Entre outros códigos sociais que pesavam na sociedade da época, até 1930 o violoncelo era tido como um instrumento indecoroso, por ser colocado entre as pernas, sendo por exemplo proibida a contratação de violoncelistas mulheres pela orquestra da BBC.
Mas, a mulher extraordinária que dá nome à sala principal da Casa da Música e que nasceu com "o génio do violoncelo" conseguiu contornar todas essas adversidades. O pai, Augusto Suggia, era violoncelista, e aos cinco anos pediu que a ensinassem a tocar. O seu primeiro recital, aos sete anos, teve lugar na Assembleia de Matosinhos. Depois de atuar para a família real, a rainha D. Amélia ofereceu-se para lhe pagar os estudos na Alemanha.
No verão de 1898, o catalão Pau Casals atuava no Casino de Espinho. Augusto Suggia foi com a filha assistir ao concerto daquele que, aos 22 anos, era considerado um dos maiores violoncelistas do Mundo. Casals passou o violoncelo para as mãos de Guilhermina e pediu-lhe que tocasse. O impacto foi tal que se ofereceu para ser seu professor. Anos mais tarde, tornaram-se numa das relações amorosas mais queridas da imprensa a que chamava dos "Dois violoncelos". Mas a relação de sete anos teve um fim abrupto, com a violoncelista a partir para Londres onde teve uma carreira extraordinária. Quando, numa última tentativa de salvar a vida, foi operada em Londres, as rainhas D. Maria e D. Isabel enviaram-lhe flores, tal era a admiração pela instrumentista. "Uma artista eminente, uma grande figura cuja projeção ultrapassou este velho burgo que lhe serviu de berço", referiu o JN.