Ana Luísa Amaral e Inês Dias relatam o desafio que foi a tradução dos primeiros livros da poeta americana disponíveis em Portugal. Um desafio que contou com a colaboração da própria autora.
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Conheceram-se (e deixaram-se encantar) pela poesia de Louise Glück muito antes de o recente Prémio Nobel da Literatura a ter empurrado para um plano de visibilidade que a própria autora americana confessou que jamais sonhou que pudesse vir a ter. Tantos anos depois, reencontraram-se com esses poemas de despojamento, ´mais aparente do que real, e não apenas enquanto leitoras.
Nas semanas que se seguiram ao anúncio do prémio, Ana Luísa Amaral e Inês Dias traduziram, respetivamente, "Íris selvagem" e "Averno", os dois primeiros livros de Glück publicados em Portugal, no âmbito de um ambicioso plano de edições que a Relógio D"Água vai desenvolver até final do próximo ano (ler caixa).
Se o ato de traduzir é sempre, como diz Ana Luísa Amaral, "uma negociação complexa em que é preciso respeitar o ritmo, o verso e o sentido", a missão que ambas tiveram pela frente revelou-se ligeiramente menos árdua pela colaboração que tiveram de Louise Glück, disponível para esclarecer dúvidas sobre o sentido de determinada palavra ou expressão.
Habituada a uma colaboração próxima com a tradutora dos seus próprios poemas para inglês, a renomada Margaret Jull Costa, Ana Luísa Amaral acredita que, por mais rigor e empenho colocados na tradução, "cada língua tem o seu limite". O segredo reside, pois, na "aproximação possível" a uma perfeição que nunca existe na plenitude.
Para Inês Dias, "o grande desafio" de traduzir "Averno" não foi muito diferente do que "qualquer grande livro de poesia" encerra. Ainda assim, no caso particular desta obra originalmente publicada em 2006, a poetisa e editora elege a dificuldade de "respeitar o ritmo e a fértil secura que caracterizam a sua poesia, talvez mais fáceis de obter no inglês do que em línguas românicas".
Menos sozinhos
Foi também o tom "falsamente fácil" da nova-iorquina de 77 anos que representou um dos maiores desafios colocados à autora da tradução de "Íris selvagem". "A sua poesia tem um registo raso que não pode ser transposto de forma direta ou literal sob pena de o resultado final ser claramente negativo", observa, embora reconhecendo que a dificuldade da missão que teve pela frente "não é idêntica à de traduzir Emily Dickinson ou William Shakespeare", dois dos muitos autores em cujos textos Ana Luísa Amaral foi trabalhando ao longo dos anos.
É sabido que o pendor para a revisitação mitológica marca de forma decisiva a poesia de Louise Glück. O que, todavia, lhe confere uma dimensão especial é, na opinião de Inês Dias, "o equilíbrio raro e intenso" entre essas alusões e "um quase diáfano confessionalismo, que nunca resvala no narcisismo". "Sente-se que cada verso, cada poema está exatamente colocado no sítio a que pertence, mas sem que se abdique da força emotiva. Sem a qual não pode existir poesia, quanto a mim", acrescenta, rendida ao poder de "certos poetas como Louise Glück, que nos fazem sentir menos sozinhos".
Publicação da obra completa prolonga-se por 2021
É uma das raras boas notícias saídas de um ano tão avaro em instantes de felicidade: a obra poética de Louise Glück, distinguida há um par de meses com o Prémio Nobel da Literatura, vai estar totalmente disponível em língua portuguesa até final de 2021.
Na primeira semana de dezembro chegaram às livrarias "Iris selvagem" e "Averno", traduzidos, respetivamente, por Ana Luísa Amaral e Inês Dias.</p>
Em janeiro há dois novos volumes disponíveis: "Noite virtuosa e fiel" (tradução de Margarida Vale do Gato) e "Uma vida de aldeia" (tradução de Frederico Pedreira). Entre os vários livros da autora que serão publicados pela Relógio D"Água em 2021 destacam-se "Vita nova" , "Meadowlands" e "Ararat", cujas traduções estarão a cargo de Ana Luísa Amaral, Inês Dias e Margarida Vale de Gato. Para o editor Francisco Vale, a conquista do Nobel "veio criar as condições" para concretizar o interesse em tornar acessível aos leitores nacionais a obra da poetisa. "É um prémio que ainda faz a diferença", resume.