O grupo que ajudou o rock a nascer em Portugal andou pelo país em modo acústico e temático, numa série de espetáculos que têm o seu ponto alto esta sexta-feira, na Casa da Música, no Porto.
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São uns dos pais do rock português, mas há já mais de 40 anos que os UHF continuam a lutar, a criar e até a reinventarem-se. Este ano, o grupo de Almada voltou a celebrar a época natalícia com o espetáculo conceptual "Podia Ser Natal", desta feita numa digressão que levou a banda aos quatro cantos do país, durante todo o mês de dezembro.
Esta sexta-feira chegam à Casa da Música do Porto para uma noite especial, a última, com um alinhamento mais extenso, que passará pelo tema Natal mas terminará na celebração da própria carreira do grupo. "Podia ser Natal - O Último do Ano dos UHF" é o evento que celebra um 2022 quando este já se encontra perto do final, e onde um coro juvenil local ajuda interpretar um lote de canções que condensam mais de 40 anos de história e alguns dos maiores êxitos natalícios, num acontecimento musical elaborado. Tudo tema para uma conversa com António Manuel Ribeiro.
Há um ano estavam também a fazer um concerto de Natal, agora veio a digressão. Como surgiu esta ideia e esta ligação à época?
Fizemos um concerto no ano passado sim, no Coliseu do Porto, que foi na altura uma experiência e onde até gravámos o disco. Porque era uma ideia que eu tinha há muito tempo: tem a ver com a canção "Podia Ser Natal", que escrevi em 96 e é um tema que durante o ano desaparece mas nesta altura reaparece sempre, todos os anos. Então pensei; e se fizéssemos um espetáculo à volta disto? E este ano justificou-se muito, porque estamos numa guerra, a sairmos de dois anos de estranheza a que chamámos confinamento, e acho que precisamos de estar juntos, de nos reencontrarmos, de estar com os amigos, sem medos, sem máscaras. E este espetáculo é uma segunda... não diria identidade mas uma segunda roupagem que vestimos, os "tipos do rock e tal" num espetáculo acústico, com coros infanto-juvenis, orfeões, escolas de música consoante os locais que passamos... e corre muito bem, a reação tem sido ótima.
Numa carreira de 44 anos tão rica e diversificada há algo que se arrependam , ou que teriam feito diferente?
Não... quer dizer, fiz muitos disparates. E entrei em alguns sem saber. Tive muitas rasteiras na vida. Agora o que é mais importante na vida... estar de pé, na vertical, é fácil. O que é importante é sabermos levantar-nos, e isso eu soube, várias vezes. Às vezes contra tudo à minha volta, eu soube fazê-lo. Mas houve coisas que eu passei que gostaria de não ter passado, agora tudo isso é experiência e depois nós é que fazemos a história. Mas quando estamos a viver o presente entramos de cabeça nas situações que nem vemos o que está a acontecer...
O que referiu, de se reerguer sempre, será também o segredo da vossa longevidade?
Sim, também; eu não sou de desistir. Não gosto muito da palavra resiliência, soa-me tão política, mas sou teimoso, sou um tipo "teimoso objetivo", que não desiste à primeira, que só quer saber como vai ultrapassar este obstáculos.
E qual o papel dos concertos nessa longevidade? A pandemia fez-nos dar mais valor, como público; e às bandas, fez dar mais valor ao público?
Sim, completamente. Eu sempre tive a noção de que eu não sou mágico, isto não acontece por milagre. Os UHF estão cá ao fim deste tempo todo porque temos canções importantes para muitas pessoas e porque isso trouxe público. Sem público, sem canções, os UHF não existiam, nós não somos subsidiados, financiados... sempre tive muito respeito pelo público, um respeito muito grande. Desde pequeno, porque cresci a ver teatro, o meu tio era ator e eu ia aos bastidores e aprendi e vi logo aquela máxima que os atores têm: de ultrapassar tudo, a doença, um obstáculo, um lado negativo da vida, o que for, pelo público.
O "the show must go on"...
Exatamente. Eu vivi isso, este ano, a 4 de dezembro. Era o primeiro concerto em Lagos e eu estava com uma gripe, daquelas que nem conseguia sequer respirar pelo nariz. Mas fiz tudo, as técnicas todas de canto que tinha aprendido, para estar em cima do palco - por tudo o que estava em jogo, o público, o contratante, os UHF, por respeito a isto tudo. Agora, passei as passas do Algarve - aliás eu estava no Algarve e por isso passei mesmo - e demorei muito mais a recuperar mas as pessoas vão para nos ver...e é uma coisa que eu vi muito este ano ano: nos concertos as pessoas nem iam só para ver. Queriam participar, cantar, dançar, pediam mais. Tem havido uma carga emotiva muito grande. Aconteceu uma coisa em agosto, em Ílhavo, num festival onde estavam 20 e tal mil pessoas. E nós no final gostamos sempre que possível de estar com as pessoas, falar com elas, dar autógrafos, é uma forma de respeito, de agradecer. E aparece-me um casal já com uma certa idade e a senhora diz-me "olhe, você disse coisas importantes hoje. Você não pode deixar de fazer isso. Eu nem sabia o que eram os UHF, mas disse aqui coisas muito importantes", disse al. E eu penso que isto é importante, deixar algo, não cantar como se fosse um botão a carregar, uma jukebox - mas estar lá, deixar uma semente. Acho que em Portugal estamos todos a precisar de falar, de apagar esta anomalia psicológica que está a acontecer, de conversar de ajudar uns aos outros. E e música também faz isso..
É terapêutica?
É, claro! Aliás como sabe há terapias de música, até cirurgias feitas ao som de música, completamente.
Neste concerto há temas de Natal mas uma passagem pelos clássicos. Num reportório tão vasto tem músicas favoritas, que o marcaram ou significam mais? Ou vão mudando?
Eu não tenho... quer dizer, a minha canção mais importante chama-se "Rua do Carmo". Mas vou dizer porquê, porque tem uma historia para mim enquanto músico e autor: em 80 fizemos os "Cavalos de Corrida", e aquilo foi um sucesso estratosférico; mas podia ser uma canção como outras, como tantos colegas daquele tempo que fizeram aquele disco e depois desapareceram, cá ou lá fora, acontece muito. No ano seguinte a "Rua do Carmo" confirma que aquilo não é um acaso, mas já um filão, digamos, de atitude, de autores, de músicos que querem fazer coisas novas; e nisso é a mais importante para mim. Não a melhor ou a pior, mas a mais importante.
Para uma banda que começou num universo rock, de bandas de garagem, como encaram este novo mundo das plataformas digitais. Ele ajuda?
Ele existe. Ajuda a chegar fora do país, nós hoje vendemos canções para países como, sei lá, a Nova Zelândia. Mas não ultrapassaram a rádio, a rádio ainda existe, a televisão faz falta, os concertos. O que é importante no digital é a qualquer momento podermos aceder a uma canção, de qualquer ano, dos anos 60. Mas para divulgarmos precisamos de massificação. Cada um tem a sua playlist, pouco sai e uma canção nova lançada precisa de muito mais trabalho hoje para captar a atenção. Não é a mesma coisa como era com a rádio, por exemplo.
Planos para futuro, já há?
Este ano foi curioso. Fizemos 44 anos, editámos discos ao vivo, mas queremos fazer coisas novas, um disco de originais, temos já dois temas prontos e penso que no início do ano podemos ter esse disco cá fora. Está a ser feito há dois anos, tem parado constantemente, mas estou ansioso por o ver cá fora. Para um autor não há como o estúdio e depois ver a edição, é outra realização.